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A Delícias do Tojal, empresa de Vila Verde (Braga), foi pioneira no país na plantação de kiwis, mirtilos e framboesas. Especializou-se na produção de pequenos frutos e apostou na inovação. Atualmente produz também amoras, castanhas, feijoas e figos e está a testar a plantação de araçás. A produção tem como principal destino a exportação, seja em fresco seja em congelado. Com visão de mercado, constituiu uma associação privada de produtores de pequenos frutos. Mas nem tudo são rosas.
A primeira aposta da empresa foi a plantação de kiwis, conta Ayrton Cerqueira, sócio-gerente da Delícias do Tojal. O pai, emigrado em França, enviou no início da década de 80 do século passado umas plantas e foi feita a experiência num terreno familiar de um hectare. O kiwi adaptou-se muito bem ao solo e ao clima, dando força à aquisição da Quinta do Tojal – propriedade com sete hectares em Vila Verde – e à introdução das culturas de mirtilos e framboesas. Estava-se em 1985 e o negócio agrícola ganha fulgor.
A produção do kiwi, que chegou a ocupar cinco hectares, e os projectos de cultivo de outras frutas empurrou a Delícias do Tojal a assumir a vertente da comercialização. “Na altura, não havia alternativas e, logo em 1985, criou-se uma espécie de cooperativa privada, para funcionar como uma agregadora da produção”, adianta Ayrton Cerqueira.
A empresa recebe atualmente a produção convencional de fruta de 270 agricultores, dez de kiwis e o restante de pequenos frutos, mas o cenário para o futuro não é muito animador. Ayrton Cerqueira perspetiva que nos próximos anos registar-se-á o abandono de muitas das atuais culturas de pequenos frutos. “Com o mirtilo vai acontecer o mesmo que aconteceu com o kiwi. Hoje sobram 30% do total de produtores que, no fim da década de 80, se lançaram no cultivo deste fruto”, diz. E frisa que nas framboesas irão suceder 95% de desistências.
Porquê? Os frutos pequenos, como a framboesa, a amora e o mirtilo, exigem muito know-how na colheita e na pós-colheita. São frutos que implicam processos muito trabalhosos e extremos cuidados. Como explica Ayrton Cerqueira, “o fruto tem um tempo de espera curto entre a colheita, a entrada em frio e a chegada ao cliente”. É necessário uma apanha cuidada, um após um, dada a sua fragilidade. Na sua opinião, os fruticultores portugueses não estavam a contar com isso, “venderam-lhes gato por lebre – pouco trabalho e muito lucro”.
A apanha diária dos frutos “foi um espanto para os agricultores”, confessa. A colheita destes frutos obriga a fazer várias passagens e “para o agricultor português é tudo a eito”. Ayrton Cerqueira exemplifica: a framboesa, que é colhida no Verão, tem um amadurecimento muito rápido e não deve esperar mais de duas a três horas entre a colheita e a entrada em frio. Isso obriga o agricultor a apanhar bem cedo o fruto, o mais verde possível, e a conduzi-lo rapidamente para um ponto de entrega com câmara frigorífica. Cada meia hora desperdiçada significa a perda de cerca de meio-dia de conservação. Tem ainda que se somar a entrega ao cliente final, que pode demorar vários dias. Acresce que a campanha da framboesa dura entre 10 a 15 dias, o que significa um período de trabalho intensivo.
Janelas de oportunidade
Ter muita quantidade e muita qualidade são os objetivos comerciais da Quinta do Tojal. É preciso ganhar espaço a Espanha, fortíssimo mercado produtor, e antecipar as colheitas da Europa Central. O associativismo dos produtores permite ganhar dimensão e um maior poder negocial. Contudo, nem todos os fruticultores estão de acordo nesta matéria. A Delícias do Tojal não consegue ter um número de associados estável, debatendo-se com agricultores que abandonam a produção ou que procuram vender isoladamente os seus frutos. Em tempos, a empresa chegou a firmar contratos com os produtores, mas acabou por desistir dessas formalizações por incumprimentos.
A Delícias do Tojal paga o quilo da fruta de acordo com o preço de mercado, que é estimado à semana. Como salienta Ayrton Cerqueira, o preço tem alterações diárias. A luta de preços agrava-se com fruticultores a tentar vender a sua produção isoladamente. “Esmagam os preços”, queixa-se. “Ao invés de nos unir-mos, em frentes com quantidade e qualidade, andamos todos a propor fruta aos mesmos clientes, o problema da fileira dos pequenos frutos é a desorganização”, sublinha. Na Bélgica, na Holanda, em Espanha… estão todos associados e assim é mais fácil chegar aos mercados”. Segundo diz, “ a febre dos pequenos frutos passou da plantação para a comercialização”.
O responsável conta que há produtores a chegar à Delícias do Tojal com a fruta sem aviso prévio. O negócio não funciona desta forma, é preciso estabelecer contactos prévios com os compradores. Há ainda que contar com o transporte dos frutos na Europa, viagens que se podem estender por 10 dias até chegar ao cliente final e cujo custo tem que ser controlado. Ayrton Cerqueira frisa que, ainda assim, a empresa consegue escoar as frutas, mesmo quando o mercado está saturado. A empresa escusou-se a revelar volumes de faturação.
O negócio tem timings muito definidos e apertados. As primeiras produções a entrar no mercado são da vizinha Espanha e também de Marrocos. Entre estas produções e as que se esperam da Europa Central as janelas são muito próximas. O preço da maioria dos pequenos frutos regista uma tendência de subida em julho e agosto, quando Espanha já está a limpar as arcas e os países produtores da Europa Central começam a entrar no mercado, mas ainda longe da plena produção. Em Setembro/Outubro, os preços descem devido à entrada em força dos frutos da Europa Central. Por esta altura do ano já Espanha começa novamente a colocar produto no mercado. Uma das questões a ter em conta é o custo da colheita. Segundo Ayrton Cerqueira, o ideal é não ultrapassar um euro a 1,20 euros o quilo.
No Norte de Portugal, é possível estender a produção de framboesa de maio a novembro, já no Sul pode atingir os onze meses, mas num sistema de produção com cobertura. O preço destes frutos oscilam de acordo com a lei da oferta e da procura. Ayrton Cerqueira realça que, entre meados de junho e meados julho, a framboesa produzida sem cobertura é vendida a 2,60 euros o quilo, preço que não tem variação há 20 anos. A indústria da restauração, hotelaria e similares quer estas framboesas para decoração, o que exige uma apanha extremamente cuidada, e está disposta a pagar.
A groselha, por exemplo, tem garantido o escoamento a 20/25 euros o quilo em abril, no início da campanha, mas quando chega julho já só se consegue preços entre 2 a 3 euros. A groselha só é usada para decoração, quando não há fruto a indústria está disposta a pagar o que for preciso”, garante Ayrton Cerqueira. Na região Norte há bastante groselha, mas a chegar bastante tarde. Para haver uma campanha de groselha antes de maio, é necessário um grau técnico elevado e um forte investimento. Nas contas do empresário, uma estufa aquecida custa cerca de 800 mil euros por hectare.
Exportação vale 90%
Em 2017, ano em que as produções apresentaram fraca qualidade e se registou um excesso de produto, principalmente de framboesas e mirtilos, a Delícias do Tojal escoou no agregado sensivelmente 20 toneladas de groselha a um preço médio de 6,5 euros o quilo, volume igual de mirtilos (4,20 euros) e de amora (quatro euros). A framboesa atingiu as 150 toneladas (e ultrapassou os quatro euros o quilo) e o morango fixou-se nos seis mil quilos (a dois euros). A campanha da castanha teve pouca expressão, pois a produção foi atacada pelo bicho da castanha. A empresa comprou 150 toneladas de kiwi, a um preço entre 50 a 60 cêntimos o quilo, sublinhando Ayrton Cerqueira que compram kiwis com um calibre inferior a 46 e que ainda assim os conseguem escoar e valorizar. Saliente-se que as frutas de produção biológica conseguem, por norma, uma valorização média nos preços entre 5 a 10%.
Ayrton Cerqueira, sócio-gerente da Delícias do Tojal
Para receber a produção dos agricultores associados – o mais distante localiza-se a cerca de 170 quilómetros de Vila Verde – a Delícias do Tojal conta com pontos de recolha em Penafiel, Cinfães, Sever do Vouga e Castro D`Aire. Estes pontos de recolha são de produtores que têm uma câmara frigorífica e recebem a produção dos agricultores da zona, enquanto a Delícias do Tojal não passa com as suas carrinhas de frio a recolher os frutos. Na sede da empresa está instalada uma capacidade de frio para 220 toneladas de kiwi e 50 de framboesa. Em frio negativo, a capacidade é de 30 a 35 toneladas. A Delícias do Tojal também comercializa estes pequenos frutos congelados.
O destino da produção dos agricultores associados à Delícias do Tojal é essencialmente a Europa Central, embora a Delícias do Tojal venda também para outros mercados. Segundo Ayrton Cerqueira, o mercado interno absorve 10% da produção e os restantes 90% seguem para exportação. A empresa tem feito diligências comerciais noutros países, estando a trabalhar atualmente a entrada nos mercados da Europa do Norte.
Novas apostas
O Kiwi foi durante muito tempo o principal produto da Delícias do Tojal. A empresa chegou a ter cinco hectares ocupados com a cultura do kiwi, contabilizando agora cerca de 2,5 hectares. “As plantas chegaram ao fim de vida, estavam no limite e foi preciso renovar”, explica. Uma planta de kiwi tem uma vida útil de 20 a 30 anos, sendo que o modo de produção biológica assegura uma maior longevidade. Neste momento, só há um campo, com meio hectare, das plantas iniciais de kiwi. Os outros dois hectares são novos e estão em fase de crescimento. No ano passado, a Quinta do Tojal registou uma produção de 10 toneladas de kiwi.
Quando comprou a Quinta do Tojal, a empresa decidiu fazer algumas experiências com mirtilos e framboesas. A adaptação das plantas foi um sucesso e iniciou-se então a produção com fins comerciais. Com o tempo, a Delícias do Tojal foi introduzindo novas culturas. Hoje cultiva e vende amoras, morangos, figos, castanhas e feijoas. Tudo em modo de produção biológico, com a certificação a datar de 2001.
Ayrton Cerqueira está desde 2015 a fazer testes com araçá, uma fruta proveniente do Brasil. Distribuiu a plantação de araçá nas variedades amarela, vermelha (a que se adapta melhor ao clima do Norte do país) e roxa em dois mil metros quadrados. Segundo afirma, é uma fruta muito saborosa, do segmento dos frutos vermelhos (as maiores são do tamanho de uma tangerina pequena), com um período de conservação curto. No ano passado fizerem a primeira abordagem ao mercado, com o envio de 50 quilos semanais para lojas de produtos biológicos em Portugal. A aceitação foi boa, mas o objectivo é trabalhar para a exportação. A planta do araçá demora três anos a entrar em produção.
De acordo com o responsável, a Quinta do Tojal está a produzir cerca de 10 toneladas de kiwi, cinco de framboesa, uma de amora, uma de mirtilo e 1,5 de castanha. Tanto a feijoa como o figo foram alvo de pragas no Verão passado. Ayrton Cerqueira decidiu não vender feijoa, pois é um fruto pouco conhecido (também oriundo da América do Sul) e precisa de estar em boas condições para ser comercializado. O empresário vê potencialidades na comercialização de polpa de feijoa congelada, principalmente em lojas de produtos biológicos. A Delícias do Tojal decidiu também regressar à plantação de espargos, esperando para a primavera a primeira colheita.
Para além da produção e comercialização, a Delícias do Tojal presta diversos serviços, como formação, consultoria, workshops, plantação chave na mão, podas, colheitas e, mais recentemente, gestão de campos. A empresa de Vila Verde tem também uma componente de comercialização de plantas, de forma a colmatar a falta de resposta no mercado. Tem um viveiro com capacidade de reprodução própria e é representante da Multibaies, especializada em plantas de mirtilo, e da Marrionet, cujo foco são os frutos vermelhos.
A Delícias do Tojal é uma empresa 100% familiar, que emprega seis pessoas a tempo inteiro e quinze na altura das colheitas.
Os pequenos frutos no Norte
Produções:
Framboesa: fruto que na região Norte pode originar em plena produção uma campanha entre 15 a 20 toneladas por hectare;
Mirtilo: produção estimada de 15 toneladas por hectare;
Groselha: produção pode atingir as 10/15 toneladas por hectare;
Amora: a produção ronda as 10/15 toneladas por hectare.
Plantação:
Frutos têm que ser plantados com espaços de três metros entre linhas. A framboesa com cobertura pode ser plantada a uma distância de dois metros entre linhas. Já entre plantas, o mirtilo deve ser plantado com espaços de 75 centímetros a 1,5 metros, a groselha entre 75 centímetros a um metro e a amora entre os 50 centímetros a um metro.
Solo e clima:
Solos arejados e arenosos, com muita matéria orgânica. Plantas habituadas ao solo rico da superfície da floresta, exigindo muita adubação. São plantas bastante toleráveis às amplitudes térmicas. Plantas com necessidades hídricas elevadas (três a cinco litros/dia).
Fungos:
Não são culturas muito problemáticas. Podem surgir fungos nas framboesas. A cultura de estufa exige mais atenção, mas uma manutenção preventiva reduz a possibilidade de aparecer fungos. As sombras e telas ajudam a reduzir o ataque de infestantes.
Investimento por hectare:
Framboesa: 10 euros o metro quadrado em plantação com cobertura. Cinco euros sem protecção;
Amora, mirtilo e groselha: 6 euros o metro quadrado.
Colheita:
É uma colheita manual e lenta, por isso, dispendiosa. A framboesa é o fruto mais difícil de apanhar para ter valor de mercado, em dificuldade segue-se o mirtilo e por fim a amora. O custo da colheita não deve ultrapassar os 1,20 euros o quilo.