Uma questão de cornos

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Por George Stilwell | Médico-veterinário e Professor universitário

Uma notícia recente oriunda da Suiça veio reacender um pouco a discussão sobre a descorna de bovinos. Através de um referendo pretendeu-se salvar os cornos das vacas, aparentemente em extinção já que apenas 10% da população de bovinos naquele país os apresenta quando chega à idade adulta.

Os restantes 90% ou são descornados quando têm poucas semanas de vida ou foram seleccionados por serem mochos (cornos não se desenvolvem).

Os requerentes do referendo defendem que uma vaca (suiça) não é bem uma vaca (suiça) se não tiver cornos, já que se trata de uma imagem de marca do país e pretendiam que os agricultores fossem subsidiados para criar vacas com cornos. Analisemos então as vantagens de ter ou não ter cornos e ainda as questões éticas eventualmente envolvidas.

A história dos cornos dos bovinos

Talvez poucos saibam que o gene que conduz à ausência de cornos é dominante. Ou seja, seria bem mais natural que os bovinos não possuissem estes apêndices. No entanto, os cornos sobreviveram nesta, e noutras espécies, porque eram realmente úteis na sua vida no estado selvagem.

Segundo a teoria do grande Charles Darwin, concediam uma vantagem aos seus portadores que sobreviviam melhor e deixavam mais descendência.

Assim, pouco a pouco, a Natureza eliminou da população de ruminantes aqueles que não apresentavam as armas que os permitia defender/atacar.

No início da domesticação dos bovinos, os cornos continuaram a permanecer como uma peça fundamental. Não só os criadores provavelmente gostavam de ver os seus animais com uma armação bem imponente, como ela mantinha a sua grande utilidade – defesa de predadores que continuavam em singrar pelas serras e mais fácil controlo e contenção dos animais pelos humanos. Até para se prender e trabalhar os animais nos “carros de bois”, os cornos eram essenciais.

Portanto, as linhagens com maiores armações continuaram a ser as preferidas, tendo-se desenvolvido raças em que os cornos passaram a ser característica ex-libris, como a Barrosã, Alentejana ou a Mirandesa (para apenas referir as portuguesas). Até as famosas “chegas de bois” do nordeste de Portugal, destinavam-se (destinam-se?) a coroar os reprodutores com os maiores e mais potentes cornos.

Mas eis que chegou a intensificação das exploracões de pecuária. Agora os cornos passaram a ser vistos como um empicilho – roubam espaço, tornam mais fáceis e perigosos os conflitos entre animais estabulados, favorecem os acidentes e traumas, põem em risco a integridade física dos tratadores.

As raças de leite, criadas em maior contacto com humanos e em espaços mais confinados, foram as primeiras a perder os cornos. Como o Homem é impaciente, não esperou pelo processo lento de selecção genética de linhagens mochas e passou a queimar, nos animais ainda jovens, o tecido produtor da substância cornea que dá origem aos cornos. Institui-se assim a descorna de vitelas jovens como uma intervenção de rotina na grande maioria das explorações de leite de todo o mundo.

Nalguns países, mas pouco em Portugal, começou-se também a descornar os vitelos que entram nas engordas. O objectivo, nestes, é prevenir as lesões causados pelos cornos aguçados quando os animais lutam nos estábulos ou se apertam num camião.

Entretanto, os criadores de bovinos em extensivo, normalmente pouco preocupados (ou até orgulhosos) com o tamanho dos cornos das suas vacas, começaram a perceber que algumas vacas se magoavam ou mesmo se matavam em lutas, principalmente quando as tinham de juntar para intervenções sanitárias ou para as alimentar com ração em manjedouras. Isto fez com que alguns produtores começassem a descornar as vitelas jovens, revolucionando o aspecto das manadas no Alentejo (mas serão menos alentejanas por causa disso?). Outros começaram a descornar as vacas adultas, muitas vezes de forma inaceitável e mesmo criminosa devido à dor causada.

(Continua)

Nota de Redação: Artigo publicado na edição n.º 30 da Revista AGROTEC, no âmbito do Dossier As novas tendências da fruticultura.

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Fonte: Agrotec

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