“Temos um modelo de desenvolvimento que tem de ser alterado”

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Preside à Federação Minha Terra e foi eleita para liderar a ELARD em 2018 e 2019. Arquiteta paisagista e engenheira agrónoma, defende que os territórios rurais precisam de um novo modelo, salientando que “os agricultores são os obreiros do desenvolvimento rural”.

Entre Lisboa, Bruxelas e Santarém, é onde se desenrola nesta altura a vida de Maria João Botelho. A VIDA RURAL falou com a presidente da ELARD – Associação Europeia LEADER para o Desenvolvimento Rural, em Lisboa, a seguir a uma audiência com o secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão e acabada de regressar de Bruxelas onde esteve na Assembleia-geral e na reunião do Council da ELARD, e também num encontro da Rede Rural Europeia, que nos assegura que o trabalho é muito – porque “estamos a entrar na discussão sobre o novo Quadro Comunitário em termos europeus, em também nacionais, por isso estamos a tentar chegar junto dos decisores aos diversos níveis, dar visibilidade ao nosso trabalho e tentar conseguir mais apoios, que muito precisamos, porque as zonas rurais da Europa estão todas a precisar de grande investimento”, explica.

A situação que se verifica no Interior do nosso país acontece principalmente nos países do Mediterrânico mas também um pouco por toda a União Europeia (UE), porque “a Europa tem estado muito virada para as áreas urbanas e as zonas rurais têm ficado mais esquecidas, sem serviços e atividades que permitam a fixação das populações. Os projetos de desenvolvimento rural em que trabalhamos têm a ver com questões de gestão do território, de qualidade de vida das populações e oportunidades para as populações que lá vivem e para atrair pessoas, para isso tem de haver empregos, equipamentos e outras condições”.

Territórios rurais têm grande potencialidade

Maria João Botelho defende assim que “temos um modelo de desenvolvimento que tem de ser alterado. As calamidades que vivemos este ano em Portugal, estas tragédias, vieram pôr a nu aquilo que está a acontecer, uma realidade com a qual nós trabalhamos todos os dias. E não somos suficientes, o que fazemos é uma gota no oceano, temos é uma grande proximidade às populações e isso permite-nos apoiar algumas iniciativas”. A presidente da Minha Terra – Federação Portuguesa de Associações de Desenvolvimento Local diz esperar que “haja uma mudança grande, e julgo que está a haver já em termos de intervenções, quer políticas quer reais, no sentido de alterar este modelo de desenvolvimento das zonas rurais e de dar condições efetivas para as pessoas exercerem as suas atividades”.

Portugal não tem estado a aproveitar os seus territórios rurais porque têm estado abandonados, todas as potencialidades que o espaço rural tem acabam por ser desperdiçadas porque não há uma gestão ativa desses territórios.”

“Como estes territórios foram secundarizados durante décadas há necessidade de se dar agora um apoio mais efetivo”. Maria João Botelho reforça que “Portugal não tem estado a aproveitar os seus territórios rurais porque têm estado abandonados, todas as potencialidades que o espaço rural tem acabam por ser desperdiçadas porque não há uma gestão ativa desses territórios”, e acrescenta: “Vão-se deixando sair as populações de lá, o que até pode ser uma tendência mas há que tomar medidas para contrariar esses processos. Os territórios rurais têm potencialidades que podem conduzir a modelos de desenvolvimento rural, diferentes dos que existiam, mas francamente capazes de fixar populações e de gerar riqueza para a região e o País”.

Agricultura gera riqueza

“Os agricultores são os obreiros do desenvolvimento rural, é a atividade económica que tem mais peso nos territórios rurais, de uma maneira geral. E falo de agricultura de uma maneira geral: agricultura, floresta agroindústrias”, defende a responsável.

Os agricultores, neste sentido amplo do termo são no fundo quem cria riqueza no interior, adianta. “Se quisermos ter turismo numa determinada região a paisagem é um fator muito importante, o património em termos naturais, e quem determina essa paisagem são os agricultores nas suas várias formas de gestão da terra, têm por isso um papel fundamental na economia e nas dinâmicas dos territórios”. E é importante, além de se criarem condições e qualidade de vida, haver também “transferência de conhecimento nesta área, até para se perceber como é que a agricultura pode voltar a ajudar no ordenamento do território, por exemplo, com o regresso da pastorícia, que é tão necessária para ajudar a controlar os combustíveis e minorar os riscos de incêndios”.

A dirigente refere também que já há agricultores mais jovens em algumas regiões, mas ainda há muito territórios onde os agricultores estão muito envelhecidos e é muito importante que haja rejuvenescimento e que os produtores se associem, que trabalhem em conjunto, “mas ainda é muito difícil as pessoas associarem-se nestas zonas”.

Muito caminho para andar

Falando de casos de alguns jovens que se lançaram na agricultura com novos produtos, Maria João Botelho nota que “muitos destes jovens já têm níveis de instrução mais elevados, que usam novas formas de produção e de abordar o mercado. Há muitos bons exemplos de jovens que se têm fixado e têm tido a capacidade de inovar no espaço rural, quer através de novas culturas, quer de meios de produção diferenciados e têm, normalmente, também uma maior preocupação com as questões ambientais. Mas os resultados ainda não estão como nós gostaríamos… ainda temos muito caminho para andar”. Destaca igualmente vários projetos interessantes na área da agricultura biológica, “que temos apoiado, até, por exemplo, na componente de marketing que hoje é tão importante”.

“Temos um modelo de desenvolvimento que tem de ser alterado”

A presidente da Minha Terra refere que a agricultura tem um papel muito importante nestes territórios e as Associações de Desenvolvimento Local (ADL) têm feito o seu trabalho nesta área, mas está também inserida numa problemática mais macro de ordenamento e gestão do território, como se tem falado por causa dos incêndios e das tragédias do ano passado.

Aproveitar presidência para fazer lobby

Maria João Botelho considera que esta presidência “é uma boa oportunidade para a Minha Terra ter uma melhor visão a nível da Europa e daquilo que se está a passar nos vários Estados-membros, bem como para participarmos nas negociações do novo Quadro Comunitário, quer em termos europeus quer nacionais” e assim “poder fazer um lobby mais alargado nestas questões que nos preocupam, do desenvolvimento rural e local”.

A responsável nota que uma das dificuldades na gestão dos apoios nas ADL é que “há estratégias de desenvolvimento que são financiadas por vários programas, o que faz com que nem sempre as datas de arranque de cada apoio sejam coincidentes”. Trabalha-se com três tipos de fundos: PDR 2020 (agricultura); FEDER e Fundo Social Europeu (FSE), estes dois últimos no âmbito do programa ESI II E. Os fundos que vêm da área da agricultura destinam-se a pequenos investimentos como diversificação de atividades na exploração agrícola, circuitos curtos e produtos locais, enquanto o ESI II E (FEDER e FSE) tem a ver com empreendedorismo, “criação de pequenas empresas e de emprego, principalmente de emprego qualificado”. A presidente da ELARD salienta que “embora hoje as novas tecnologias facilitem muito, sabemos que ainda há muitas dificuldades de funcionamento destas novas tecnologias no interior”.

Se quisermos ter turismo numa determinada região a paisagem é um fator muito importante, o património em termos naturais, e quem determina essa paisagem são os agricultores nas suas várias formas de gestão da terra, têm por isso um papel fundamental na economia e nas dinâmicas dos territórios.”

Por isso, na Assembleia-geral da ELARD de novembro do ano passado, onde Maria João Botelho foi eleita, um dos objetivos apresentados pela ELARD para o desenho das medidas de política relativas ao LEADER e Desenvolvimento Local de Base Comunitária (DLBC) para 2021-2027, passa pela simplificação do ponto de vista regulamentar, com uma alocação financeira significativa proveniente dos diferentes Fundos Europeus Estruturais de Investimento e pela criação de um programa ao nível de cada Estado-membro.

Um programa de desenvolvimento local

A responsável explica-nos que este programa iria facilitar muito a vida das associações porque “ao nível local temos de trabalhar com duas autoridades de gestão: com as estruturas do Ministério da Agricultura para o PDR 2020 e com os Programas Operacionais Regionais e dentro destes com os dois sistemas: FEDER e FSE. É um sistema muito complexo e gostaríamos de ter (e isso foi discutido ao nível europeu e nacional) um programa – como já existiu há uns anos atrás – que pudéssemos gerir, com uma estratégia de descentralização, embora o financiamento pudesse vir de vários fundos” e acrescenta: “Acho que até para a própria Administração não deve ser fácil gerir-nos a todos”.

Maria João Botelho frisa também que “as exigências formais e legais a que os projetos têm de obedecer criam uma formatação que, por vezes, espartilha a inovação” o que parece um contrassenso porque “a inovação aparece sempre como indispensável, como exigência de todos os projetos e programas, mas na verdade os projetos que tentam ser mais ‘fora da caixa’ têm muita dificuldade de se encaixarem nas regras de financiamento, porque são projetos que também têm mais risco associado e o risco não está previsto ser financiado. Quer-se inovação mas não se financia o risco”. Embora, refere, existam algumas associações que já recorreram a business angels, por exemplo, em situações deste tipo, mas são muito poucos.

“Interessava que os parâmetros pudessem ser ajustados às realidades e o que acontece hoje é que eles são sempre os mesmos, o que varia são algumas fórmulas. Por isso, na proposta de ‘programa de desenvolvimento local’ que a ELARD apresentou, e que a Minha Terra também já entregou ao Executivo nacional, queremos garantir que também ao nível local, quem desenha de facto as medidas, não apenas as estratégias, sejam os próprios Grupos de Ação Local”. Hoje, o PDR 2020, por exemplo, tem as mesmas seis ações para todos os GAL do Continente e “pretendemos que o programa de desenvolvimento local possa diferenciar o que são as prioridades de cada território”.

GAL operacionalizam os programas

Existem neste momento em Portugal 60 Grupos de Ação Local, ligados a diversas associações de desenvolvimento local e a outras entidades e “por vezes para projetos que aparentemente são parecidos, só porque o financiamento vem de um fundo diferente, há regras e exigências muito diferentes, tornando os processos muito mais pesados e complexos” e a dirigente dá um exemplo: “Um cidadão tem uma ideia de um pequeno projeto – não estamos aqui a falar de grandes investimentos nacionais com grandes gabinetes de consultoria por detrás – para abrir uma queijaria, uma mercearia ou um turismo rural… dirige-se ao GAL respetivo e, por exemplo se for na área do ESI II E, a pessoa muitas vezes tem de se candidatar a dois fundos, é muito complicado”. E frisa que “a própria União Europeia (UE) fala muito na simplificação e desburocratização mas, na prática, não sentimos que isso esteja a acontecer”.

Esta proposta de criação um programa ao nível de cada Estado-membro foi já entregue ao Conselho Económico e Social Europeu e à Comissão Europeia (CE) e “cada uma das redes que compõem a ELARD irá apresentar aos seus países”.

Maria João Botelho especifica que “os GAL são, na prática, a estrutura técnica das associações de desenvolvimento local com os vários parceiros, que gere a estratégia e implementa o sistema de apoios LEADER e DLBC. No início de cada quadro comunitário a Administração abre um concurso a que as parcerias se candidatam e são reconhecidas como GAL, apresentando uma estratégia de desenvolvimento local, que também tem ela própria de ser aprovada”.

“Temos um modelo de desenvolvimento que tem de ser alterado”

Os GAL e as suas estratégias foram aprovados até final de 2015 e as primeiras candidaturas do PDR 2020 (ou melhor do FEADER, porque nas ilhas também há GAL e não se aplica o PDR) iniciaram-se em maio de 2016 e do FEDER e FSE, cerca de um ano mais tarde, em junho de 2017, “estamos a falar de projetos que vão até 200 mil euros de investimento total, a partir desse montante são as Direções Regionais de Agricultura que fazem o financiamento”.

Maria João Botelho lembra que “no âmbito do programa LEADER, em 26 anos (até final de 2015), foram apoiados mais de 22 mil projetos, num investimento total de 1,4 mil milhões de euros, criando 15 mil postos de trabalho”.

ELARD

A ELARD é uma associação internacional sem fins lucrativos, criada em 1999, com o objetivo de promover uma melhor qualidade de vida nas zonas rurais e a fixação das populações através de um desenvolvimento local sustentável e integrado.

Congrega mais de 2.000 Grupos de Ação Local (GAL) de 24 países europeus – Alemanha, Áustria, Bulgária, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letónia, Lituânia, Macedónia (ARJM), Polónia, Portugal, República Checa, Roménia, Sérvia e Suécia.

A ELARD participa em diversas estruturas consultivas a nível europeu e é reconhecida pela DG AGRI enquanto representante dos GAL a nível europeu. A ELARD está empenhada e comprometida em defender a abordagem LEADER junto dos decisores da UE e em participar no desenho de políticas europeias que respondam às necessidades das comunidades locais, envolvendo-as na sua conceção e implementação.

Minha Terra

Entidade privada de interesse público e sem fins lucrativos, a Minha Terra – Federação Portuguesa de Associações de Desenvolvimento Local foi constituída no ano 2000, por iniciativa de um grupo alargado de Associações de Desenvolvimento Local (ADL), institucionalizando uma rede que se consolidava, desde há alguns anos, sob o denominador comum da convergência de objetivos, do diálogo, da partilha e de um vasto trabalho conjunto no desenho e implementação de soluções e intervenções em prol do desenvolvimento dos espaços rurais nacionais.

As 58 ADL federadas na Minha Terra representam, no seu conjunto, mais de 90% do território nacional e as suas capacidades de iniciativa e concretização dizem diretamente respeito a mais de quatro milhões de portugueses, habitantes em zonas rurais. A representatividade das ADL federadas valoriza as especificidades de cada território e confere autenticidade à intervenção e aos projetos nele realizados, expressando o dinamismo das forças vivas da sociedade civil rural enquanto agentes do seu próprio desenvolvimento.

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