Por George Stilwell | Médico-veterinário, PhD, Diplom ECBHM | Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade de Lisboa
Não estou a dar novidade nenhuma quando afirmo que a produção animal nos países desenvolvidos está a sofrer modificações enormes.
Estas alterações começaram a surgir nos anos 50 e 60 do século 20, quando o campo começou a ver os seus trabalhadores a fugirem para as cidades e os alimentos começaram a escassear.
Com a crescente população das áreas urbanas a exigir cada vez mais das explorações, a resposta foi industrializar e intensificar a produção. Foi nesta altura que surgiu a designação “factory-farms” ou quintas-fábrica. A ciência aproveitou o embalo e também veio dar o seu empurrão criando uma genética super-produtora alimentada com nutrientes concentrados e resguardada das doenças por utilização rotineira de antibióticos e vacinas.
Esta evolução trouxe-nos até ao panorama actual – sistemas intensivos com pouca mão-de-obra destinados a fornecer grandes quantidades de proteína animal a preços muito baixos. Assim, temos que em 1940 um produtor alimentava 19 pessoas enquanto actualmente a proporção será de 1 para cerca de 190.
E não ficaremos por aqui já que as previsões indicam que as necessidades mundiais em leite e carne irão aumentar para o dobro até 2050. Mantendo-se a contínua pressão de manter muito baixos os preços ao consumidor!
Concomitantemente, as exigências e a vigilância sobre a produção animal aumentaram. Já não se pede só qualidade e segurança aos produtos alimentares como se impõem regras apertadas para a forma como tratamos os nossos animais e como afectamos o ambiente.
O bem-estar animal deve ser protegido, os resíduos devem ser tratados e os animais devem crescer e produzir sem ajudas artificiais. Como consequência as explorações passaram a ter que ter paredes de vidro… e ainda bem. Só assim podemos imaginar uma produção mundial sustentável.
É neste cenário que se começa agora a falar em agricultura de precisão. Esta não é mais do que utilizar as novas tecnologias para garantir maior controlo dos factores envolvidos na produção. Aqui irei falar fundamentalmente da pecuária de precisão.
Através da aplicação das ferramentas tecnológicas poderemos perceber mais cedo e melhor quais são as necessidades de cada animal individual e a forma como este está a responder às condições proporcionadas ou às alterações introduzidas.
A ser bem utilizada, as novas tecnologias poderão permitir reduzir a subjectividade na avaliação de cada animal que também não ficará tão dependente do treino e da experiência dos tratadores. Para além disso permitirá detectar os problemas mais cedo. E tudo sem a necessidade da observação directa de cada animal ou a contenção deste.
Alguns exemplos:
· A ordenha robotizada, em que não é precisa a mão humana para tirar o leite das vacas todas de uma exploração leiteira, começa a ser já habitual nas explorações europeias e portuguesas. Uma máquina-robot ordenha a vaca, mede a quantidade de leite produzido e alerta para quebras de produção ou faltas repetidas, que podem indicar doença.
· Existe neste momento no mercado um pequeno dispositivo que ao ser introduzido no rúmen de um bovino indica a temperatura corporal, o pH do conteúdo gástrico e mesmo a actividade ruminal. Os benefícios parecem ser enormes – detectar problemas na dieta, alterações na flora ruminal ou mesmo doenças que causam febre.
· Outro aparelho, também já comercializado, diz-nos quando uma vaca está prestes a iniciar o trabalho de parto. Ao informar o produtor através de mensagem no telemóvel, esta tecnologia garante uma assistência mais próxima e atempada, sem obrigar a pessoa a dormir (literalmente) com a vaca. A vaca lucra porque é acudida prontamente se houver problemas e o produtor vive (e dorme) mais descansado.
· Ainda mais um caso (este ainda em estudo e experimentação) – a condução e a vigilância de rebanhos nas serras através de um drone com uma câmara. Ou o controlo dos movimentos de animais em pastagem através de uma cerca virtual operada por computador e GPS.
Estas máquinas do futuro irão aumentar a eficiência? Muito provavelmente. Irão suprimir mão-de-obra das explorações agrícolas? Quase de certeza. Irão favorecer o bem-estar e a qualidade de vida dos nossos animais? Talvez, se for bem aplicada e mantiver vivo esse objectivo.
Mas, como em tudo na vida, deve haver alguns riscos sobre os quais devemos reflectir antes de ser tarde de mais e estivermos nas mãos da tecnologia em vez de a ter nas nossas mãos.
Um primeiro risco é o dos criadores perderem a sua competência e expertise biológica tornando-se (demasiado) dependentes das máquinas para tratar e perceber os seus animais.
O sexto-sentido que é apanágio de tantos produtores, pastores, tratadores, veterinários etc… poder-se-á perder porque será mais importante o conhecimento do software do que o comportamento dos animais.
Associada a essa perda do que costumo designar bio-conhecimento, haverá automaticamente a perda da empatia que muitos produtores mostram para com os seus animais.
Os melhores produtores que conheço são os que conhecem todo e qualquer um dos seus animais e percebe o que estes “estão a dizer”. Existe o perigo dos animais passarem a ser apenas um número no gráfico ou tabela, e as respostas aos problemas serão decididas por algoritmos.
Um segundo tipo de riscos será o de entregar às grandes companhias, corporações ou empresas o controlo dos nossos campos, rebanhos e produção. Se o maneio e gestão diária depender dos números e dos dados que a tecnologia nos envia, poderemos rapidamente ficar reféns daqueles que os recolhe, processa e interpreta.
Estamos a entrar, por isso, numa nova era em que a tecnologia se irá casar com a biologia. Cabe à nossa inteligência saber traçar o melhor caminho e aquele que mais vantagens trará para os animais, sem no entanto comprometer a quantidade, a segurança ou a qualidade da nossa produção.
Nota: Artigo publicado na edição n.º 27 da Revista AGROTEC .
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