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Mas pode a produção dedicada de alimentos de alta qualidade para nichos de mercado ser uma solução viável para a pequena agricultura em Portugal? Acredito que sim, e os exemplos internacionais demonstram-no.
A gastronomia portuguesa está em rota ascendente e afirma-se cada vez mais no panorama internacional. É certo que o país está na moda e que o mundo descobriu os encantos lusos, mas é mais certo que um núcleo de chefs talentosos tem feito um extraordinário trabalho na conquista de notoriedade da cozinha portuguesa, ou melhor, da reinvenção e reinterpretação da nossa gastronomia, tendo como base os produtos tradicionais portugueses. A relação entre a produção e a restauração de topo afina-se a cada dia. Há produtores que estão atualmente a apostar em produções dedicadas para este mercado de nicho que, sendo ainda pequeno em volume, consegue ser interessante em valor.
Mas pode a produção dedicada de alimentos de alta qualidade para nichos de mercado ser uma solução viável para a pequena agricultura em Portugal? Acredito que sim, e os exemplos internacionais demonstram-no.
Quando olhamos para os Estados Unidos pensamos numa agricultura moderna e sofisticada, que de facto é, com agricultores a produzir em grandes áreas e dedicados a monoculturas intensivas, como o milho e a soja. O afunilamento na produção de culturas para grão faz com que os hortofrutícolas, ouvi recentemente, pesem apenas 6% do total da agricultura norte-americana. Num mercado global e competitivo, este facto faz com que agricultores de pequena e média dimensão tenham perdido condições de rentabilizar as suas explorações, mesmo com ajudas que chegam aos 400 dólares/acre. Nas últimas décadas estes agricultores (com médias 200/300 acres, equivalentes a pouco mais de 100 hectares) concluíram que só existiam duas opções: colocar uma tabuleta de vende-se à porta ou reconverter a lógica produtiva. Este ponto de viragem permitiu reunir um grupo de agricultores que passaram a produzir hortofrutícolas e animais, apostando em sustentabilidade, para fornecer restaurantes. Deram-se a conhecer a chefs, perceberam as suas necessidades e produzem sazonalmente os produtos que estes transformam em alta gastronomia. Calendarizaram as opções culturais, concentraram a produção, responsabilizaram-se pelas entregas. E com isto conseguiram manter no ativo centenas de agricultores que de outra forma já teriam abandonado a atividade.
Com outras proporções, e com uma realidade mais limitada no que diz respeito ao número de restaurantes de topo, este é um exemplo inspirador para uma franja considerável da nossa agricultura. Se ainda não viram, e passo a publicidade, espreitem o documentário Sustentável- O futuro da agricultura nos Estados Unidos – disponível na Netflix. Negócios como os que destacamos na capa desta edição (microlegumes e flores comestíveis) ou na edição anterior (citrinos ancestrais) não existiriam sem esta ligação privilegiada entre agricultores e alta gastronomia. Sim, chef?