Acabam de ser identificados dois genes da ferrugem-negra que são responsáveis pela segregação de proteínas que atingem o sistema imunitário das plantas. O que pode vir a ajudar no contra-ataque a esta doença fúngica, que ameaça o trigo por todo o mundo.
Antigamente, as culturas de cereais eram alvo de ataques constantes por agentes patogénicos, como as ferrugens, cujo reaparecimento tem nos últimos anos ameaçado não só a produção de alimentos como a segurança alimentar. Agora, duas equipas de investigadores identificaram, cada uma, um gene da ferrugem-negra, responsáveis pela segregação de proteínas que “desligam” o sistema imunitário das plantas que infetam. Os resultados representam um passo importante para perceber como seguir o rasto e prevenir a propagação mundial das ferrugens que atacam o trigo por todo o mundo.
Existem sobretudo três espécies de ferrugem que atingem o trigo e causam perdas persistentes: a ferrugem-da-folha-do-trigo (Puccinia triticina), a ferrugem-amarela (Puccinia striiformis) e a ferrugem-negra (Puccinia graminis). Todos estes fungos infetam as folhas e reduzem a produção, mas é a ferrugem-negra, em particular, que tem os efeitos mais catastróficos. No ano passado, ocorreu, aliás, um dos piores surtos de ferrugem-negra na Europa em mais de 50 anos, com a destruição de milhares de hectares na Sicília, em Itália.
Em Portugal, a ferrugem-negra não tem sido detetada nos últimos anos, mas o país já sofreu uma epidemia de ferrugem-amarela.
Conceição Gomes, da Secção de Melhoramento de Plantas do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), já tinha dito ao Público, em novembro deste ano, que «basta que esporos do fungo sejam transportados até ao nosso país e ocorram condições ambientais favoráveis para que essa espécie de ferrugem vença a resistência das variedades semeadas e cause infeção».
Por outro lado, foi detetada recentemente, no Equador, uma estirpe de ferrugem-negra (a RRTTF), que representa uma ameaça significativa à produção de trigo no Norte e no Sul da América.
Os cientistas receiam, por isso, que novas estirpes virulentas se espalhem, através do vento, a partir de locais onde a sua presença já é conhecida para regiões de cultivo importantes, razão porque também já se identificaram os cenários em que as estirpes destrutivas de ferrugem-negra representam uma ameaça de longa distância, desde a África Oriental até às grandes regiões produtoras de trigo, como a Índia e o Paquistão.
O objetivo final dos epidemiologistas é, contudo, desenvolver estratégias de prevenção da doença, mais do que controlar a ameaça de propagação mundial, o ideal é, portanto, que nem sequer se chegue a esse ponto.
Mas, neste caso, o desafio é particularmente difícil, por causa da existência de grandes monoculturas, práticas agrícolas precárias e deslocação de sementes, plantas ou solo contaminados, que facilitam o aparecimento de agentes patogénicos altamente virulentos.
Uma das soluções para combater as ferrugens tem sido a introdução de genes de resistência nas plantas. Mas o resultado não tem sido especialmente feliz. Porquê? É semelhante ao que acontece com os humanos e os antibióticos, quanto maior é o consumo, mais resistentes acabam por ser as bactérias.
Portanto, quanto mais genes de resistência a fungos se introduzem nas plantas, mais os agentes patogénicos “aprendem” a resistir a esses genes, sobrevivendo as estirpes mais virulentas, sublinham Matthew Moscou e Peter van Esse, do Laboratório de Sansbury, em Norwich, no Reino Unido, num comentário que acompanha estes trabalhos na Science.
Por outro lado, para que a ferrugem-negra infecte o trigo tem, primeiro, de “desligar” o sistema imunitário das plantas, através da segregação de pequenas proteínas.
Agora, foram identificados dois genes, que segregam as tais proteínas. «É como uma corrida em curso ao armamento, temos de estar um passo à frente deste agente patogénico em mudança. A última grande epidemia de ferrugem-negra-do-trigo na Austrália, em 1973, causou sozinha uma perda de 300 milhões de dólares australianos, 190 milhões de euros. Imagine-se o que aconteceria se fosse hoje», afirma Robert Park, da Universidade de Sydney, na Austrália, em comunicado do Centro de Investigação Rothamsted, no Reino Unido.
Robert Park faz parte de uma equipa internacional que conseguiu identificar um dos genes, o AvrSr50. E uma outra equipa de investigadores, essa dos Estados Unidos, e que tem como principal autor Andres Salcedo, da Universidade Estadual do Kansas, identificou versões de uma estirpe particularmente desagradável do fungo da ferrugem-negra, que poderia infectar variedades de trigo resistentes, o que chamou a sua atenção para outro gene da ferrugem-negra, o AvrSr35.
Estas descobertas, publicadas na última edição da revista Science, vão permitir a análise em horas, em vez de semanas, de amostras de plantas que se suspeita estarem infectadas, o que ajudará a impedir a destruição das culturas.
«Será possível identificar se uma cultura de trigo precisa ou não de ser rapidamente tratada com um fungicida caro para a protegermos da ferrugem, o que, caso contrário, a devastaria numa questão de semanas», explica Robert Park, num comunicado da sua instituição. E o seu colega Peter Dodds, da Organização da Commonwealth para a Investigação Científica e Industrial (CSIRO), acrescenta: «estamos a começar a compreender melhor todo o processo: o que está a acontecer ao nível da proteína, ao nível do gene».
Fonte: Público