“Queremos democratizar o consumo de figo-da-índia em Portugal e na Europa”

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A Pepe Aromas nasceu em 2013 fruto da vontade dos irmãos Susana Mendes e José Ferrão, que herdaram a terra e a resiliência para se afirmarem no sector primário. Vindos de uma família ligada à agricultura há várias gerações, ponderaram produzir aromáticas mas acabaram no figo-da-Índia.

Tudo começou com uma prospeção, que incluiu várias visitas a feiras internacionais, e na vontade de apostar em plantas que se dessem quase espontaneamente no Alentejo, plantas autóctones, que fossem pouco exigentes do ponto de vista hídrico e que lhes permitissem manter as profissões que os irmãos Susana Mendes e José Ferrão tinham em áreas distintas. Entre os marmeleiros e os figos-da-índia acabaram por escolher os segundos.

Susana Mendes explica que foi importante perceberem o circuito de produção e de consumo do figo-da-índia na Europa. “Dois dos principais países produtores deste fruto são o México e a Colômbia que têm um clima tropical. Por exemplo, no México os figos-da-índia consomem-se tanto como as bananas aqui em Portugal. Já na Europa a produção localiza-se no sul de Itália, mais especificamente na Sicília e, segundo investigámos, a produção europeia não chega para responder à procura do mercado. Aqui detetámos uma oportunidade de negócio no sentido em que sabemos que a Europa tem uma carência desta fruta biológica e que é “obrigada” a comprá-la a países extracomunitários que produzem o figo-da-índia de forma convencional. Na própria Sicília não há o cuidado de produzir de forma biológica porque como a procura excede a oferta, a fruta tem escoamento garantido sobretudo para os países nórdicos e para as comunidades árabes que vivem na Europa e que são grandes apreciadoras desta fruta”, afirma a empresária agrícola que resolveu aos 39 anos submeter um projeto de jovem agricultora cujo investimento total foi de 300.000 euros.

Assim, face a esta conjuntura macroeconómica, e tendo em conta as características do terreno e o clima do Alentejo, a Pepe Aromas instalou o seu primeiro pomar em 4 hectares na Herdade do Sobral, a 20 quilómetros de Évora, corria o ano de 2014. Em novembro começaram a preparar o terreno, adubaram com estrume de cavalo, compraram as palmas em Portugal, plantaram-nas e esperaram para ver como se comportavam. “Percebemos que a planta não morre sem água. Trata-se de um cato, por isso sobrevive em condições adversas, embora não produza frutos com um calibre aceitável e com a doçura que o consumidor espera”, explica Susana Mendes.

Susana Mendes e José Ferrão

Ao contrário do que pensaram inicialmente, tiveram que plantar um pomar ordenado com podas periódicas e com um sistema de rega gota-a-gota para poderem ter fruto maior e mais doce. E foi assim que, em abril do ano seguinte, nasceu o pomar, na Herdade da Azinheira, com 7 hectares, plantado em linha de 6×5 metros, com três palmas por cova. Começaram por colocar tela para controlo das infestantes, mas cedo concluíram que esta não resultava no sentido em que criava um microclima abafado, com elevado nível de humidade junto ao solo, que poderia ser um foco de desenvolvimento de microrganismos. Isto para além da tela dificultar também o controlo dos gotejadores da rega que funcionam apenas no verão dado que a planta é pouco exigente do ponto de vista hídrico, aspeto valorizado pela empresa que se preocupa com a sustentabilidade e com o impacto ambiental do seu pomar. Muito resistente a pragas, a figueira-da-índia tem como principal predador o coelho que as come, sem querer saber dos gloquídeos (picos), e por isso houve a necessidade de vedar o pomar com uma rede especial, rede coelheira. “A nossa grande despesa é com o controlo das infestantes porque este é feito de forma manual. Não podemos utilizar herbicidas e portanto temos que roçar as ervas várias vezes ao ano” afirma a empresária agrícola acrescentando que este ano, em particular, houve a necessidade de contratar uma equipa especializada para ajudar no controlo das ervas que atingiram um tamanho nunca visto.

A manutenção do pomar também requer podas, feitas na primavera, e estas têm como objetivo fazer crescer um figo maior e mais doce. Para isso, há que eliminar algumas palmas e alguns gomos no sentido de evitar a competição nutricional entre os potenciais frutos.

“Deixamos 7 a 8 frutos na parte superior de cada palma para facilitar a apanha e colhemos uma vez por ano, no verão ” diz Susana Mendes explicando que em Itália utilizam uma técnica chamada scozolatura que consiste num desbaste da figueira-da-índia, para induzir uma nova floração e possibilitar ao agricultor uma nova colheita, mais tardia. Contudo, esta técnica só pode ser aplicada a partir do quarto/quinto ano em função do tamanho e do desenvolvimento da planta.

Uma planta sem desperdício e com diferentes aplicações

A figueira-da-índia atinge a sua maturidade aos seis anos e podemos compará-la a uma fénix que renasce das próprias cinzas. A palma mãe “vai dando à luz” e com a ajuda das podas há uma regeneração natural que evita a substituição do pomar a médio/longo prazo.

As palmas que resultaram das podas feitas no pomar da Herdade da Azinheira foram replantadas na Herdade do Sobral, herdades contíguas, em abril de 2017. Mais 14 hectares de figueiras-da-índia, num total de 25 hectares. A Pepe Aromas investiu, desta vez, na variedade vermelha, alternando com a laranja com a qual começou, organizando o pomar por sectores para facilitar a identificação da variedade no ato da colheita. Em termos de paladar as diferenças são ténues para os leigos e ligeiramente acentuadas para os conhecedores do fruto, embora a principal diferença seja visual. “O mercado valoriza a fruta laranja e vermelha porque a associa aos frutos vermelhos, os quais são muito ricos em substâncias antioxidantes com benefícios para a saúde”, acrescenta Susana Mendes afirmando que um figo-da-índia tem mais vitamina C do que uma laranja. Trata-se de um fruto aconselhado a diabéticos e a doentes com problemas gástricos. O óleo extraído das sementes que estão dentro do figo é aplicado na indústria estética em cremes hidratantes, adelgaçantes, anti-rugas e anti-envelhecimento. A palma é boa para consumo humano e animal. Por exemplo, os mexicanos grelham-na para acompanhamento de carne e no Brasil, nas regiões onde há pouca água, os produtores de gado misturam a palma com a palha e os animais sentem-se saciados de água. Também em Portugal os produtores de gado já começam a ver nas palmas uma oportunidade. “Temos um produtor de gado, aqui em Estremoz, que tem vacas em modo biológico e quer testar a palma no sentido de diminuir o consumo hídrico do efetivo”, diz a empresária agrícola referindo a importância da gestão sustentável dos recursos hídricos em qualquer exploração agrícola, sobretudo nas que estão em modo de produção biológico.

A chegada à Grande Distribuição

A Pepe Aromas fez recentemente uma parceria com a ANCPA – Porco Alentejano, num projeto que está a ser desenvolvido com o Instituto Superior de Agronomia, que consiste em perceber se a palma pode ser interessante para o porco alentejano numa determinada fase da vida na qual não é aconselhável que este ganhe peso. A palma, com as suas características hídricas, pode ser um bom complemento porque sacia o animal sem o engordar”, afirma a empresária agrícola convicta de que este ano, apesar das chuvas tardias terem atrasado o amadurecimento do fruto, será o ano com quantidades mais relevantes, cerca de 20 toneladas, que vão estar nas prateleiras do Intermarché a partir de 6 de setembro. Para isso foi preciso investir em equipamento.

“Comprámos uma máquina que fizesse muito bem a limpeza da fruta, que tirasse os gloquídeos, e outra que calibrasse porque os supermercados exigem que o fruto para venda em fresco tenha um calibre específico. Depois investimos em caixas de cartão para embalarmos os frutos e assim conseguimos chegar ao consumidor sem intermediários”, diz a empresária que pensa que a fruta possa chegar ao consumidor final por cerca de 5€/Kg. Esta fruta é apanhada durante a noite, entre as 22h00 e as 6h00, porque está mais fresco e os gloquídeos estão mais frouxos e segue depois para o armazém para ser limpa, calibrada e embalada durante o dia. “

“Queremos democratizar o consumo de figo-da-índia em Portugal e na Europa”

Tentamos criar postos de trabalho, ainda que sazonais, localmente, porque para nós faz sentido que uma empresa gere emprego junto das comunidades envolventes”, explica a responsável que conta com uma equipa de quatro pessoas na colheita e de cinco no armazém. A infraestrutura que suporta o pomar é uma antiga estação de caminho-de-ferro. Susana Mendes conta como surgiu a ideia de dar vida à estação de comboios. “Como esta infraestrutura está integrada na nossa propriedade falámos com a IP Património. Ou construíamos um pavilhão descaracterizado, junto ao edificado da estação de caminho-de-ferro, que estava em ruínas, ou recuperávamos a estação adaptando-a à nossa infraestrutura. Claro que a nossa escolha recaía sobre a segunda hipótese que, honestamente, pensávamos ser pouco provável de concretizar.” No entanto, a negociação correu bem e a IP Património arrendou-lhes a antiga estação por 25 anos com a condição de a recuperarem respeitando a traça e a utilização anterior. Então, entrar na Pepe Aromas, é uma viagem aos anos 50 onde todas as estações de comboio estavam em pleno funcionamento mas agora as locomotivas são outras. Os vagões deram lugar aos reboques e os figos-da-índia substituíram as pessoas. A fruta fresca segue para as prateleiras do Intermarché e para Espanha, no dia seguinte à colheita e pode ser consumida nos próximos quinze dias sem perder propriedades nutricionais.

De portas abertas para receberem todos os “passageiros”

Vencedores do prémio Intermarché 2017, na categoria de produção primária, e com uma menção honrosa no âmbito do Prémio Nacional de Agricultura 2017 na categoria de novos projetos, promovido pelo BPI, a Pepe Aromas tenciona conhecer melhor os subprodutos que este fruto oferece e depois optar pela especialização num deles, a par da fruta em fresco. “Parece-nos que o sumo de figo-da-índia é muito apreciado. Aliás, penso que foi ele que ajudou a convencer o júri do Prémio Intermarché a dar-nos o primeiro prémio, o que nos assegura parte do escoamento do produto este ano, para além da visibilidade que dá à empresa”, explica Susana Mendes reforçando a importância das parcerias como forma de criar subprodutos que atinjam outros públicos e que permitam rentabilizar a infraestrutura da Pepe Aromas. “Queremos incluir o pomar no circuito turístico do Alentejo e ter aqui, na nossa loja, onde antigamente os passageiros compravam o bilhete de comboio, alguns produtos bio, como vinhos, azeites, compotas e outros derivados de figo-da-índia. Pensamos fazer workshops relacionados com o figo-da-índia, degustações de produto, criar uma dinâmica e rentabilizarmos a infraestrutura durante a época baixa”, diz a responsável. No sentido de darem a conhecer o fruto, a Pepe Aromas sugeriu a dois restaurantes locais uma sobremesa de figo-da-índia. “Fomos ao Convento do Espinheiro e ao Hotel L´and Vineyards, oferecer fruta aos chefs e eles pediram-nos a polpa pasteurizada para poderem trabalhar o ingrediente durante todo o ano. Na sequência desta visita já fizemos uma parceria com uma empresa de pasteurização para conseguirmos responder a este outro público”, acrescenta Susana Mendes referindo que também aqui há um aproveitamento dos figos de menor calibre que o retalho rejeita em fresco.

Susana Mendes e José Ferrão comprometem-se a oferecer qualidade e estão de portas abertas para receberem todos os “passageiros”. “Estamos a um clique de tudo e a única coisa que nos pode diferenciar no mercado é a forma como trabalhamos e a qualidade do produto que apresentamos”, conclui a empresária agrícola convicta de que esta é uma fileira com produtores jovens, que partilham conhecimento e boas práticas, com o objetivo darem maior visibilidade ao figo-da-índia em Portugal e na Europa.

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