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A VIDA RURAL foi acompanhar um dia de trabalho da coordenadora do Agrupamento de Defesa Sanitária da Associação de Agricultores do Campo Branco (AACB), Ana Rita Simões, e do seu colega Hugo Palma. Os dois médicos veterinários trabalham essencialmente com pequenos ruminantes, que dominam a produção no Campo Branco. Um trabalho que vai muito além da parte veterinária.
A proximidade com os produtores da região do Campo Branco, onde ainda se pratica principalmente agricultura de sequeiro e pecuária extensiva e os agricultores têm um nível etário muito elevado e dificuldades em lidar com as novas tecnologias exigidas pelo sistema de registo de animais, tem levado a coordenadora do Agrupamento de Defesa Sanitária (ADS) a sugerir à associação de agricultores que preste cada vez mais serviços aos seus produtores. “E eles têm aderido a estes serviços ‘chave-na-mão’, pois ficam mais descansados porque nós tratamos de quase tudo”, afirma Ana Rita Simões.
A par do trabalho feito pelo ADS ao nível das exigências legais sanitárias e veterinárias, com a colocação de brincos e chips nos animais, mas também com a desparasitação e execução de todas campanhas de vacinação exigidas, há também as questões puramente veterinárias que vão surgindo ao longo do ano nas explorações, uma vez que, na maioria dos casos, os médicos do ADS acompanham a parte sanitária mas também são os ‘veterinários’ da exploração.
Depois do trabalho de campo, há muitas tarefas a fazer no gabinete nas bases de dados de registo dos animais, que “são um dos instrumentos para os produtores receberem algumas das ajudas à produção”, salienta a responsável.
O trabalho de campo da dupla de veterinários – Ana Rita Simões e Hugo Palma – do Agrupamento de Defesa Sanitária (ADS) da Associação de Agricultores do Campo Branco (AACB) começa bem cedo, pelas sete da manhã. A VIDA RURAL acompanhou os médicos veterinários na Casa Agrícola Jaime Palma, em Almodôvar. Quando chegámos, há muito que Ana Rita Simões, Hugo Palma e José Moreno, o moiral (pastor) espanhol ao serviço de António Carvalheira – que gere aquela e outras explorações pertença do sogro, estavam a tratar do grande rebanho no ovil que o gestor construiu. “Aqui temos as condições ideais para trabalhar, com manga para os animais e telheiro coberto. Em muitas outras explorações estamos em campo aberto ao sol e à chuva. Bem, à chuva não estamos por causa da informática que agora anda sempre connosco, quando acontece temos de adiar”, explica a médica veterinária.
Apoio no maneio da exploração
António Carvalheira valoriza muito o trabalho em parceria com a Associação e o ADS mas, principalmente, com a médica veterinária: “não percebia nada disto, tenho empresas em Lisboa do ramo imobiliário, e quando tive de pegar na gestão das propriedades do meu sogro (que somam cerca de 1.300 hectares para cereais e ovinos, além de sobreiros) foi fundamental a orientação da Dra. Ana Rita”, diz o produtor, acrescentando que “sigo as indicações dela em termos de alimentação, em relação ao que semear, temos, por exemplo pastagens biodiversas específicas para ruminantes, e também na parte reprodutiva: temos vindo a fazer um apuramento conseguindo que já cerca de 90% dos partos sejam de gémeos, por exemplo”. O produtor vende os borregos para engorda “com cerca de mês e meio, dois meses” ao longo de todo o ano, “este ano devo ter cerca de 1.000 borregos”, diz.
António Carvalheira tem todas as propriedades em produção integrada e semeia vários cereais (como aveia, cevada, trigo e tremocilha) mas também feno, sempre a pensar na alimentação dos animais. A produção, que inclui também montado de sobro e azinho e algumas oliveiras (fazendo azeite para consumo próprio) é toda em sequeiro, mas o produtor tem uma barragem que construiu para ter água para as ovelhas, “só que este ano mais uma vez choveu muito pouco e estamos com seca grave. Eu não tenho problemas porque na herdade há uma mina que fornece água para a Somincor e tenho um acordo com eles para me fornecerem água quando preciso, mas há muitos produtores que, tal como no ano passado, vão precisar que os bombeiros lhes tragam água para os animais”, lamenta.
Saneamento de rebanhos
A exploração tem cerca de 600 ovelhas Merino (e seis cabras apenas para consumo caseiro). O saneamento dos rebanhos é feito pelos veterinários que trabalham com a AACB entre 15 de janeiro e 15 de dezembro, mas “nos ovinos concentramos o trabalho mais nesta altura [abril a junho], depois da tosquia, porque é mais fácil fazermos a colheita de sangue”.
Os animais a quem se vai tirar sangue – todos os machos e animais adquiridos, às borregas de substituição e a 25% das fêmeas – são marcados com uma caneta verde, enquanto todos levam uma marca da caneta vermelha “porque temos de confirmar a leitura do chip”.
Neste dia, além da colheita de sangue e da verificação dos chips, “estamos a desparasitar interna e externamente os animais e também a vacinar contra a enterotoxémia, uma das doenças que nos aflige aqui bastante e que causa mortes súbitas”, conta a coordenadora do ADS.
“Há rebanhos em que fazemos esta vacinação de seis em seis meses e outros anualmente, depende de muitos fatores que o médico veterinário analisa em conjunto com cada produtor”, acrescenta.
A Associação tem 12 técnicos a trabalhar nesta área e 22 médicos veterinários inscritos no ADS que podem tratar da parte sanitária dos seus produtores. A escolha do médico veterinário assistente é sempre do produtor e pode não ser o mesmo que trata da parte clínica e da sanidade, mas “em geral é a mesma pessoa, porque assim conhece melhor o rebanho”. Por exemplo, “nós acompanhamos este rebanho e sabemos que tem problemas de peeira, por isso quando vimos fazer trabalho sanitário estamos sempre atentos a outros sintomas e sinais que possam aparecer”, refere a médica salientando que “para o produtor é mais cómodo fazer tudo através da Associação”.
Rastreabilidade total
Ana Rita Simões explica-nos que “há apenas 3 a 4% de animais sem chip no ADS que, por alguma razão, escaparam à campanha que fizemos. Nesse caso colocamos um chip e também registamos tudo o que fazemos, animal a animal, na nossa base de dados e carrego no PISA NET (base de dados sanitária) para comparamos os dados de identificação com o que está no IDIGITAL (a base de dados nacional de identificação), porque tem de refletir tudo o que está no campo”, uma vez que é com base nesta informação que são pagos os prémios aos produtores (POC) pelo IFAP. “Assim, tentamos que os nossos produtores tenham tudo de acordo com as exigências legais”, acrescenta.
Por isso, a Associação começou também a oferecer aos seus produtores um serviço de gestão do seu efetivo, “aproveitando os dados que já temos de registar ajudamos também no maneio reprodutivo e no Livro de Medicamentos, que é obrigatório o produtor fazer”, afirma a coordenadora, salientando que “trabalhamos sempre em prol dos nossos produtores”, procurando fornecer serviços cada vez mais completos, até porque “temos agricultores cada vez mais envelhecidos e em risco de desistirem por não conseguirem dar respostas às exigências legais”. O serviço de gestão do efetivo abrange já cerca de 85.000 animais.
A zona do Campo Branco (concelhos de Aljustrel, Ourique, Castro Verde e Almodôvar) onde atua a AACB carateriza-se por uma agricultura de sequeiro (embora Alqueva abranja já quase todo o concelho de Aljustrel) e produção pecuária, onde predominam os pequenos ruminantes. Os agricultores têm uma média etária muito elevada e muita dificuldade de trabalhar com as novas tecnologias que as regras e exigências nacionais e comunitárias cada vez mais exigem. Por isso, a associação e o ADS têm vindo a disponibilizar cada vez mais serviços, “para que estes produtores não desistam e o Campo Branco fique ainda mais desertificado”, afirma Ana Rita Simões.
A AACB trabalha com 970 explorações, na sua maioria familiares, com um total de cerca de 145.400 pequenos ruminantes, sendo que 887 (73%) são de ovinos (136.070, ou seja 94%) e 322 (27%) de caprinos (9.320, 6%). O número médio por exploração é de 155 animais, sendo que são produções mistas, com bovinos, ovinos, caprinos e suínos.
As doenças com maiores incidências
Sobre as principais doenças que afetam os pequenos ruminantes na zona do Campo Branco, a médica veterinária explica-nos que, olhando para os diagnósticos laboratoriais vemos que “a maior incidência se reparte igualmente (40% para cada) entre as doenças do sistema reprodutivo e as do sistema digestivo, com as intoxicações a aparecerem em terceiro lugar (10%)”.
Ao nível das estratégias implementadas para resolver as patologias de rebanho, a médica veterinária diz-nos que “fazemos formação a médicos veterinários e a produtores e reuniões dos médicos veterinários para definir as estratégias a seguir”.
Exemplo de casos concretos: surto de Sarna em 2013/2014, Controlo de Mamites em explorações intensivas de caprinos e casos recorrentes de Peeira. A propósito desta doença a AACB em parceria com a Associação de Agricultores do Sul (ACOS), a Universidade de Évora, o Centro de Biotecnologia Agrícola e Agroalimentar do Alentejo (CEBAL), o INIAV e a DRAP Alentejo “está a participar no projeto GEN-RES Alentejo, para perceber o que se está a passar nas nossas explorações”, e saber se o agente infetante será o mesmo do agente vacinal e qual a sensibilidade dos animais à doença. “Trabalhamos também em parceria com a COPRAPEC e a Bovicare para o controlo do IBR e BVD”, refere.
A coordenadora do ADS adianta ainda que para a prevenção e controlo e das doenças é fundamental o uso das novas ferramentas informáticas de gestão, nomeadamente o R Planner – uma ferramenta informática que está em fase de implementação para que as brigadas veterinárias a possam usar e que “permite o planeamento e alertas das ações profiláticas para evitar falhas dos prazos”.
Larvas e ‘setas’
Uma vez que acompanham estes rebanhos em termos sanitários, mas também clínicos, Ana Rita e Hugo Palma também vão tratando e/ou deixando medicamentos ao moiral para tratar alguns problemas que vão detetando nos animais. Aparecem, por exemplo, problemas com larvas (de moscas) “que são muito habituais nesta altura do ano”.
Produção complementar à atividade principal
Em Panoias, no concelho de Ourique, acompanhamos ainda o tratamento das ovelhas Merino de Vasco da Silva, um produtor que trabalha na mina da EPDM, em Aljustrel, e que tem ovelhas “por gosto”, conta-nos a mulher, Dália Félix, que trabalha no departamento de espaços verdes do município.
São 140 animais que, em conjunto com a cortiça de alguns sobreiros, da lenha e carvão de azinho, são um completo aos empregos fixos do casal.
Ana Rita Simões explica à VIDA RURAL que “aqui, além dos mesmos procedimentos que fizemos na exploração anterior – desparasitação, vacinação, colheita de sangue e controlo da informação do chip – temos também de tratar alguns animais. O produtor comprou animais e só depois percebeu que tinham sarna… Já foram alvo de tratamento e temos de tratar todo o rebanho para que não haja a possibilidade de o agente ficar e ser fonte de nova contaminação”.
Vasco da Silva é um produtor ‘mais tradicional’ que o anterior, talvez por ter também um efetivo mais pequeno e a produção pecuária ser um complemento da sua atividade. Diz-nos que vende “os borregos, com cerca de quatro meses (25/30kg) ao distribuidor que pagar melhor e organizo os partos para ter sempre borregos nas alturas em que o preço está melhor: Páscoa e Natal”.
O produtor tem cerca de 40 hectares onde os animais pastam, semeia azevém e aveia para pastagens para os animais e também feno “para ter comida para lhes dar no inverno. E renovo as terras mais ou menos de dois em dois anos, para não estarem muito ‘envelhadas’, como se diz por aqui”.
Começa período de refugo
Enquanto fazem o tratamento na manga de contenção, o produtor e a médica veterinária vão falando da idade de algumas das ovelhas que estão a atingir o final da sua vida ‘útil’. “A vida reprodutiva das ovelhas ronda os oito a nove anos, depois disso ou já não ficam prenhes ou têm dificuldade em ter leite para alimentar os borregos”, explica Hugo Palma. Por isso, nessa altura são vendidas para refugo.
A coordenadora do ADS salienta que, para terem direito aos prémios, os produtores tenham de manter os animais na exploração entre 1 de janeiro e 30 de abril. “Agora que terminou esse ‘período de retenção’ é quando decidem que animais vão vender para refugo” e Vasco da Silva acrescenta, sorrindo: “também é quando estão mais gordinhas, por isso valem mais”.
Além da sarna, a médica veterinária deteta também alguns casos de animais sem chip, por exemplo, e afirma que “muitas vezes os produtores quando compram animais fora não nos consultam e não verificam bem o efetivo que vão adquirir e, por vezes, surgem algumas situações irregulares”.
Mais tarde, Hugo Palma volta ao campo onde vai tratar alguns bovinos de um outro associado, enquanto Ana Rita Simões se dedica então “à parte burocrática do trabalho”, no seu gabinete na Associação.
Língua azul é a próxima campanha
A médica veterinária revela que “estamos já a começar a marcar com os produtores a vacinação contra a Língua Azul, porque devemos estar a receber as primeiras doses da vacina. Tivemos campanha de 2005 a 2011, depois interrompemos porque a situação estava controlada, mas no final de 2015 começaram de novo a surgir casos nos municípios aqui à volta: Moura, Serpa, Mértola e mesmo em Castro Verde e tivemos de voltar à vacinação”.
Nesta nova campanha, em vigor desde 2016, o Estado apertou os ‘cordões à bolsa’ e agora só fornece a vacina, o produtor tem de pagar a mão-de-obra.
Ana Rita Simões conta que “a AACB criou uma farmácia veterinária, onde vendemos aos nossos produtores principalmente tratamentos para feridas, como sprays com antibiótico, desparasitantes para os borregos e tratamentos profiláticos”, mas, adianta, “também passamos receitas de alguns medicamentos específicos que sejam necessários”. No caso dos antibióticos, cujo controlo é cada vez maior, a coordenadora do ADS salienta que “a maioria são para problemas de cascos dos ovinos e vendemos também muitos antiparasitários externos, para carraças e míases (larvas)”.
A responsável refere ainda que existem também já alguns associados que exportam animais para Israel, “temos nomeadamente o caso de um grande produtor, que acompanhamos de perto devido às muitas exigências que estes processos têm”. Esta exploração é a dos irmãos Carlos e Hélder Alves, de Garvão, Ourique, que têm um Centro de produção Ovina, com cerca de 1.700 ovelhas. “Têm próprias e compram, a outros produtores, ao desmame e engordam os borregos vendendo-os com cerca de seis/sete meses. Está nesta altura a preparar cerca de 3.000 animais para serem enviados, em cargas que dependem muito dos barcos que se consegue, mas que rondam os 600 a mil animais de cada vez”.
Reprodução é ‘calcanhar de Aquiles’
Ana Rita Simões reconhece que uma das áreas que tem sido descurada é a do maneio reprodutivo. “Com o serviço de gestão do efetivo estamos a começar a implementar o registo de todos os animais e de tudo o que é feito. Sem registo não conseguimos perceber quais as práticas, os resultados e os problemas, e se os produtores precisam ou não se apoio”, diz.
Lembra também que um dos trabalhos que a equipa de técnicos do ADS e da Associação tem de fazer é o da identificação dos pequenos ruminantes. “Por causa dos prémios, os animais elegíveis têm de ter um ano a 1 de janeiro (e cumprir o período de retenção de que já falámos), têm assim de ser identificados todos os anos até setembro, pelo que temos seis a nove meses para os identificar e inserir no sistema. E temos de ser nós a tratar disso: ligamos a todos os produtores, quer tenham um animal ou 6.000, a marcar a identificação”, explica a responsável.
Já na produção de caprinos, a médica veterinária conta-nos que existem alguns produtores já com alguma dimensão que apostam na produção de leite e queijo, mais no concelho de Almodôvar, falando de dois exemplos: “um produtor que tem cerca de 1.100/1.200 cabras e tem uma queijaria própria, vendendo depois o queijo. E outro que tem cerca de 600 cabras e também transforma ele o leite na sua queijaria própria”. Refere ainda um outro produtor no concelho de Ourique que tem queijaria própria e recolhe o leite da maioria dos outros associados que possuem cabras.
Executar facilita a coordenação
Ana Rita Simões entrou para a coordenação do ADS e Associação no ano 2000, logo a seguir ao surto de Peste Suína Africana que atingiu a região: “em 1999 os porcos começaram a adoecer na região e quando se percebeu que era PSA tomaram-se medidas drásticas, abate de efetivos totais, etc., foi uma situação muito grave e dramática para a região, apesar de haver indemnizações, tendo sido delineado um programa de erradicação”.
A médica explica que “entrei como coordenadora, mas também executora”, e frisa: “o facto de nunca ter deixado de andar no campo e de acompanhar rebanhos e produtores ajudou muito nas minhas funções de coordenação e na criação dos diversos serviços que temos hoje, para os apoiar na sua atividade”, referindo por exemplo, a Farmácia veterinária, o Gabinete dedicado exclusivamente à identificação de pequenos ruminantes e a gestão do efetivo, entre outros. “Sempre valorizando a relação entre a nossa organização e os produtores”, salienta.