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O abacate foi a grande descoberta do Algarve na última década, com a área a rondar hoje os 1.500 hectares e “podendo chegar aos 2.000 nos próximos dois/três anos”, assegura Pedro Mogo, um dos pioneiros da cultura na região. Nos citrinos a aposta vai para a IGP, num setor que se profissionalizou e continua a aumentar área, sendo a mosca da fruta a principal preocupação. A framboesa é ainda outra opção, mas com o preço em baixa e a concorrência a subir eficiência é a palavra-chave. A manga parece também ter potencial na região. A água é problema transversal, como a mão-de-obra, embora este já tenha sido pior, dizem-nos.
O Algarve é o novo ‘El Dorado’ do abacate, com a área de produção a rondar hoje os 1.500 hectares e “podendo chegar aos 2.000 nos próximos dois/três anos”, diz-nos Pedro Mogo, que produz abacate desde 2009. Curioso é que os cerca de 40 produtores da região entregam a sua fruta do lado de lá da fronteira à cooperativa Trops, principal operador e exportador de frutas subtropicais em Espanha, que está já a construir instalações na zona industrial de Tavira para apoiar estes fruticultores.
Duarte Pereira, técnico da Trops em Portugal, explica-nos que “a Trops já tem uma empresa criada em Portugal e que o armazém terá duas fases de construção, sendo inicialmente – num investimento de cerca de sete milhões de euros – armazém para receber a fruta dos produtores nacionais e dentro de cerca de quatro anos virá a ter também calibradores e embalamento”.
A cooperativa é, assim, uma organização de produtores transnacional e, de acordo com a legislação europeia, “espera ser reconhecida como tal, pelas autoridades portuguesas”, para que os produtores nacionais possam ter a devida majoração (de pertencerem a uma OP) nas candidaturas ao PDR.
Em maio, o gestor da Tops, Enrique Colilles, afirmava – citado pelo “La Opinión de Málaga” – que “cerca de 80% dos produtores portugueses são associados da Trops” e que o armazém estará a funcionar já “para a próxima campanha agrícola de outubro a novembro”, (…) “para trabalhar o abacate que produzem os 1.500 hectares” que estes produtores possuem, ou seja uma produção “entre 10 e 15 milhões de quilos de fruta, um volume muito importante”.
AlgarOrange promove Citrinos do Algarve
Falemos agora dos citrino s que, desde sempre, foram ‘reis e senhores’ da fruticultura da região. Depois de uma época de crise em que alguns pomares mais antigos deram lugar a outras culturas (como estufas de framboesa ou pomares de abacate), o reconhecimento da qualidade dos citrinos da região – com destaque para a afamada Laranja do Algarve – através da criação da Indicação Geográfica Protegida “Citrinos do Algarve” veio dar um importante impulso à laranja, clementina e limão do Algarve.
“Da produção de pequenos frutos no Algarve a framboesa representa hoje cerca de 90%”, afirma João Bento, sócio-gerente da Madre Fruta.
Hoje, a citricultura algarvia profissionalizou-se e o número de produtores a procurar a certificação tem crescido, diz à VIDA RURAL José Oliveira, presidente da Cacial – Cooperativa de Fruticultores do Algarve, e também da AlgarOrange – Associação de Operadores de Citrinos do Algarve, criada no final de 2018 por nove operadores (Cacial, Fruzoal, Frutalgoz Parafrutas, Frutas Lourenço, Frutas Martinho, Frutas Lurdes, Frutas Machorro e Frutas Matinhos) que representam cerca de um terço da produção de citrinos da região, “com a missão de unir os principais players da fileira e promover estes frutos tão caraterísticos da nossa região, nos mercados nacional e internacional”.
A criação da associação já permitiu reunir à mesma mesa a Região do Turismo do Algarve e a Direção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP) do Algarve, para se debaterem estratégias que façam dos citrinos o ‘cartão-de-visita’ da região.
Esta ideia faz parte de uma candidatura apresentada pela AlgarOrange à linha de internacionalização do CRESC Algarve 2020, que já está a pôr em movimento potenciais parceiros e a fomentar a discussão em torno de uma maior abertura dos citrinos do Algarve aos mercados externos.
Esta associação pode assim contribuir para colmatar o “grande défice de organização” que nos refere Luís Gonçalves, da Citago, empresa familiar que há muito produz citrinos, tendo hoje cerca de 130 hectares, e, nos últimos anos, decidiu apostar no abacate, tendo plantado 76 hectares deste fruto, uma das maiores áreas da região.
Framboesa ainda é rentável
Ainda regressaremos à laranja, mas fazemos agora um ponto de situação da cultura da framboesa no Algarve, fruto de que Portugal é o maior produtor europeu.
Os pequenos frutos, começando pelo morango, foram uma das primeiras alternativas aos citrinos na região. Mas à medida que a cultura do morango se afigurava de difícil rentabilidade a framboesa acabou por surgir como a opção certa. “Da produção de pequenos frutos no Algarve a framboesa representa hoje cerca de 90%”, afirma João Bento, sócio-gerente da Madre Fruta, organização de produtores de pequenos frutos que trabalha principalmente com a Driscoll’s.
João Bento, também CEO do JBI Group – que produz framboesa, abacate e mirtilos, no Algarve e na Costa Vicentina – salienta que “o preço médio da framboesa pago à produção desceu bastante nos últimos cinco anos, dificultando a rentabilidade de produtores menos organizados ou com menos experiência, porque decidiram investir nesta cultura vindos de outras áreas completamente diferentes, que não a agricultura”.
O responsável da Madre Fruta frisa que “é necessário reduzirmos os custos e a mão-de-obra é, de longe o maior custo, representando cerca de 60%, podendo, por isso, fazer diferença entre ganhar ou perder dinheiro”.
Contratação direta no estrangeiro é solução
Os anos de 2016 e 2017 foram os mais difíceis em termos de mão-de-obra, refere João Bento, adiantando que “2018 e 2019 já foram anos mais fáceis, porque além de contratarmos todas as pessoas da região que conseguimos e também através das empresas de trabalho temporário, a Madre Fruta começou a ir buscar pessoal diretamente à Bulgária, Roménia e Ucrânia, através da rede EURES e dos institutos de emprego destes países”, e explica como é o processo: “Vamos lá fazer sessões para angariar trabalhadores, depois cá alugamos todas as casas que conseguimos para lhes darmos as melhores condições possíveis e damos-lhes também formação e acompanhamento diário”.
João conta-nos ainda que o JBI Group “chega a ter mais de 500 pessoas a trabalhar no pico da campanha, de fevereiro a junho”, pelo que tem um software que permite saber em tempo real a performance de cada pessoa que está a colher, “para que possamos intervir e melhorar a sua produtividade”, isto para além de darem prémios de produtividade.
No entanto, e apesar de entre 2015 e 2019 o preço/hora ter subido mais de 1€ (para entre 7 a 8€/hora), a concorrência da fruta que é produzida em Marrocos, por exemplo, é enorme, pois lá “eles pagam por dia aos trabalhadores o que nós pagamos à hora”.
Área deve estabilizar
Na região, João Bento refere que “a produção de pequenos frutos (framboesa, mirtilo, amora e morango) é feita toda em estufa no sistema de hidroponia, com substrato de fibra de coco, perlita e casca de pinho”, porque “assim é mais fácil conduzir a cultura e controlar melhor o uso de água e os nutrientes”. E explica: “Trabalhamos com seis variedades, sendo que umas produzem mais 20 ou 30%, mas a produção situa-se entre as 15 e as 20 toneladas por hectare”, acrescentando que “a Driscoll’s absorve cerca de 70% da produção de framboesa do Algarve”.
O consumo de framboesa na Europa cresceu bastante, “cerca de 10% ao ano, mas a produção aumentou muito mais”, frisa o produtor. “Só no Algarve a área de produção passou de 15 a 20 hectares em 2010 para mais de 150 hoje” e começa a ser difícil escoar esta produção.
Por isso, admite, “já há produtores de novo a fazer ensaios com morango, com variedades diferentes” mas, defende: “É uma cultura cara e difícil de fazer porque exige muitos tratamentos fitossanitários, para se ter uma ideia, na framboesa esses tratamentos são residuais… no morango podem chegar a ser dez vezes mais, uma vez que tem muitas doenças e pragas”.
Luís Gonçalves, da Citago, frisa que “o facto de o setor do abacate estar bem organizado, ao contrário do dos citrinos, sendo que a Trops já tem 11% de associados portugueses, também fez a diferença na decisão de lhes entregar a fruta”.
Assim, João Bento considera que “as expetativas para a framboesa são de manter áreas e controlar as eficiências, principalmente a mão-de-obra, porque faz toda a diferença”.
Abacate é grande aposta
Voltamos agora ao abacate, de que João Bento também é produtor. Começou em 2014, “em apenas quatro hectares, mas no ano seguinte plantei mais 21 e tenho vindo a aumentar ao longo dos anos”, afirma. Hoje o JBI Group tem cerca de 150 hectares de abacates plantados em seis explorações, entre Tavira e Castro Marim, e “até 2020 tenho projeto para plantar mais cerca de 100 ha”.
O consumo mundial de abacate tem estado em forte crescimento nos últimos anos e na Europa essa procura é ainda mais acentuada, tendo aumentado cerca de 20% em 2018, pelo que há potencial para absorver mais produção.
Pedro Mogo explica-nos que “na América Latina, o México (que é o maior produtor mundial), o Chile e o Peru produzem em contraciclo com a Europa, apenas a Colômbia consegue produzir também na mesma altura que nós”. Na Europa só Espanha, Portugal e a Sicília produzem abacate, e estes países conseguem colocar produto no consumidor europeu “de grande qualidade e com grande rapidez, devido à proximidade, estando por isso no ponto certo de maturação”, logo após a colheita que começa em dezembro/janeiro.
O produtor adianta que a variedade mais valorizada é a HASS, que se dá bem no Algarve, sendo que “a nossa fruta tem também menor percentagem de matéria seca, logo menos gordura”. O produtor defende assim que “para conseguirmos melhor preço para a nossa fruta temos de ter um maneio dos pomares, nomeadamente podas, que levem à produção de frutos de maior calibre e de excelente qualidade”.
Pedro Mogo salienta que a gestão da água é também muito importante porque “o abacate precisa de água todos os dias, principalmente nas alturas críticas. Os citrinos aguentam vários dias sem água mas o abacate não, tem muita necessidade de água todos os dias, como se fosse hidroponia”. E adianta: “Para se conseguirem produções altas, de 15 toneladas por hectare em média, pelo menos, a cultura precisa de 600 a 700 litros de água por quilo”.
Trops tem 11% de associados portugueses
Luís Gonçalves, da Citago, frisa que “o facto de o setor do abacate estar bem organizado, ao contrário do dos citrinos, sendo que a Trops já tem 11% de associados portugueses, também fez a diferença na decisão de lhes entregar a fruta”, além de que só teve boas referências dos produtores portugueses que trabalham com a cooperativa há mais anos.
O produtor destaca também o trabalho de investigação que a cooperativa faz em relação à cultura, passando depois esse conhecimento em “workshops e jornadas técnicas periodicamente aos seus produtores”.
A cultura tem poucos problemas fitossanitários, “apenas o ácaro, e esse temos estado a tratar, já há dois anos, com insetos auxiliares. O nosso pomar ainda não levou qualquer tratamento, só água e nutrientes, e vamos ter a segunda colheita agora em dezembro, com boas perspetivas de produção”.
Duarte Pereira, técnico da Trops em Portugal, que acompanha os produtores do lado de cá da fronteira, também fala do ácaro cristalino, como praticamente a única praga que afeta a cultura do abacate, “além de alguns casos de fitóftora, que conseguimos evitar com porta-enxertos resistentes às doenças radiculares e com a escolha de terrenos que não encharquem”.
Ao nível de nutrientes que são aplicados por fertirrega, Duarte Pereira salienta que o abacateiro precisa dos macro NPK e nos micronutrientes “é importante ter bons níveis de zinco, boro e magnésio”.
O técnico também salienta que “a variedade mais procurada é a HASS, que tem grande qualidade e maior vida de prateleira”, sendo que para o produtor também é muito interessante porque “a colheita estende-se de dezembro a maio, o que lhe dá também possibilidade de fazer uma boa gestão da mão-de-obra”.
Citrinos: Falta organização e formação
Regressamos então aos citrinos, com o responsável da Citago a salientar que além da falta de organização, que, admite, estar a melhorar também agora com a iniciativa da AlgarOrange, “tem de haver divulgação e formação aos produtores para começarem a perceber a importância de trabalhar com qualidade” e frisa: “A Laranja do Algarve devia sair daqui no ponto ideal de maturação”, mas há produtores a apanhar cedo ou deixar fruta nas árvores por causa do preço e isto piora sempre nas más campanhas.
E esta campanha foi muito má, refere também José Oliveira da Cacial e da AlgarOrange, porque “a New Hall, que costuma sair para o mercado em outubro, acabou por entrar só a 15 de novembro, porque não tinha acidez, sumo, nem brix e assim ‘empurrou’ todas as variedades seguintes e nesta altura estamos com a Lane Late atrasada e temos a D. João ou a Valência Late nas árvores, e como a produção foi a mais elevada dos últimos anos, o preço baixou consideravelmente”.
Mosca da fruta é grande preocupação
O que coloca outro grande problema aos produtores são “as condições ainda mais propícias de mosca da fruta, principalmente se deixarmos cair estes frutos e ficarem na terra. A mosca incuba e aparece na próxima campanha ainda com mais força”, diz José Oliveira, destacando que “a fruta com picada da mosca não pode ser exportada para vários países, nomeadamente Estados Unidos” e o aumento da exportação é um dos grandes objetivos da AlgarOrange “uma vez que o mercado nacional não absorve a nossa produção”.
Tanto Luís Gonçalves, como o presidente da Cacial, sublinham que a mosca é um problema que transcende a produção, tendo por isso de ter uma resolução integrada, “com as autarquias e a CCRD, por exemplo”, defende o gestor da Citago.
Mas José Oliveira explica-nos que as autoridades estão já a elaborar um plano: “Há muito pouco tempo houve uma reunião com a DRAP Algarve, a Direção-Geral de Agricultura e Veterinária (DGAV) e técnicos espanhóis que vieram explicar o que Espanha tem vindo a fazer nos últimos dez anos para lutar contra a mosca da fruta, através de luta autocida, ou seja pela largada massiva de machos estéreis, de forma a diminuir a população. E estão a consegui-lo”. O responsável da Cacial adianta que “o objetivo é as autoridades nacionais avançarem rapidamente com um programa idêntico em Portugal”.
A tryoza é outra ameaça, que é mais grave ainda porque não tem cura e as árvores têm de ser abatidas, “nos EUA a produção reduziu-se em 60% por causa desta doença”, diz José Oliveira, adiantando que “já foi detetado o inseto que propaga a doença, na Galiza, depois no Porto, Coimbra e Setúbal, pelo que os espanhóis estão muito preocupados, mas sei que já há um projeto que envolve a DGAV, o Instituto Superior de Agronomia e o Instituto Valenciano de Investigação para serem lançados predadores de forma massiva e se criara uma barreira contra a doença para não se propagar mais para sul”.
Água é questão central
Sobre a certificação “Citrinos do Algarve”, José Oliveira acredita que “o mercado passará, a muito breve prazo a ser todo regulado pela certificação, não é num ano ou dois, mas acredito que esse é o futuro”. A Cacial (que tem 36 associados mas trabalha com mais de 200 produtores) comercializa para todas as cadeias do mercado nacional, exceto Makro, “e a procura pela IGP tem começado já a subir”.
“Um Kg de citrinos gasta hoje seguramente menos de metade da água que usava há 20 anos”, refere João Bento.
A gestão da IGP está a cargo da UniproFrutal, mas José Oliveira admite que “a AlgarOrange possa mais tarde vir a reclamar para si esta responsabilidade, uma vez que essa organização tem muito pouca atividade e a certificação precisa de uma promoção ativa para crescer”.
Last but not least, ou seja, por último mas não menos importante, temos a questão da água que é escassa no Algarve e, com as alterações climáticas se tem tornado num problema cada vez maior, como todos os produtores com quem falámos frisaram.
Embora, todos tenham destacado também que a produção está cada vez mais eficiente: “Um Kg de citrinos gasta hoje seguramente menos de metade da água que usava há 20 anos”, refere João Bento, por exemplo, mas acrescenta que “as autoridades nacionais têm de tomar decisões em relação a esta questão”.
Também José Oliveira defende que “tal como se fez para travar a expansão do imobiliário no Algarve, possivelmente também terá de se limitar as áreas de regadio, de acordo com a água disponível”, adiantando que “pode-se também determinar que cada casa tem de ter a sua própria cisterna, como havia antigamente”.
As ideias são diversas, mas todos sublinham que algo tem de ser feito a nível regional e mesmo nacional.
“Manga pode ser produto de futuro”
Além do abacate, há vários produtores a ensaiar outro fruto exótico – a manga, sendo João Bento um deles. O produtor considera que “a manga pode ser um produto de futuro” tendo feito experiências com sucesso nos dois últimos anos, por isso “decidimos, em 2019, investir em três hectares de produção de manga”, acreditando que o Algarve “tem condições muito favoráveis para produzir mangas de excelente qualidade. E apesar de a manga ser muito sensível às amplitudes térmicas acredito que é uma boa aposta”.
João Bento conta-nos que “experimentámos variedades diferentes e as melhores são as mais temporãs, que produzem em junho, julho e agosto”, explicando que “temos estado a conduzir e armar as árvores e este ano já deixámos alguns frutos nas árvores mas elas começam a produzir bem ao terceiro ano”.
Sabemos que já há alguns anos que começaram a ser produzidas no Algarve mangas e papaias em estufa, pela Machamba da Ria, em Moncarapacho, empresa com quem não conseguimos falar.
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Fonte: Vida Rural