A entrevista teve o contributo da esposa, a Srª Dª Fátima Martins, que partilha o apelido, coincidência do parentesco e não da afinidade, que de igual modo, na sua juventude, trabalhou como jornaleira nas plantações e depois fez o que se esperava à esposa de um guarda dos Serviços Florestais. Tivemos também a presença do Sr. Albertino Martins, filho de um outro “guarda florestal”, e que não fosse o facto de ser mais velho do que o próprio Sr. José Martins se poderia pensar seu filho e cujas memórias reais remontam ao ano de 1940! Por ser do Gerês, como os restantes participantes, partilhou não só a naturalidade como o apelido, sem se julgarem parentes.
Entrevista e Fotos: Bernardo Madeira
AGROTEC – Quando é que o Sr. Guarda José Martins começou a trabalhar na Floresta?
José Martins – Comecei a trabalhar com 12 anos. O meu primeiro serviço foi apanhar semente de pinheiro silvestre (Pinus sylvestris), ou seja as pinhas. Tinha que subir aos pinheiros e tirar as pinhas antes de abrirem. Tinha que subir gatinhando. Éramos rapazes novos 12 anos 13. Não havia escadas. Naquele tempo para trabalhar nos serviços florestais tínhamos que ter 14 anos. Mas nós mentíamos na idade, não levávamos as cédulas.
FM – E ainda lá estão no Gerês esses pinheiros!
JM – Depois andei a cortar mato para preparar as sementeiras. As mulheres é que cortavam o mato. Nós os rapazes íamos atrás com umas ganchas de pau a rolar o mato pela serra abaixo.
AM – Essa gente que ia a roçar eram umas 80-100 pessoas. Iam em cordão, atravessado, pela serra acima, e os rapazes atrás a juntar os matos, ou para um sítio onde se pudesse queimar ou para os lavradores o irem buscar.
JM – Mas nas encostas não havia caminhos não havia nada. Lá acima os lavradores não iam buscar o mato roçado, nem havia lavradores para tanto mato. Aquilo ia-se rolando, rolando e juntava-se onde não houvesse arvoredo e ou se queimava ou deixava apodrecer.
AM – Na freguesia da Facha quantas vezes se ouvia um grito de socorro, quando os carros de bois se viram e ficavam os animais presos pelo pescoço.
JM – Depois deste serviço, andei a construir estradas e caminhos. Era muito duro!
AM – O fogo para abrir aquelas estradas era feito com broca e marreta. Mas a broca era manual. Dois e três homens com uma marreta a malhar à vez, como a malhar o centeio, na broca que ia sendo rodada devagarinho à mão pelo desgraçado. Havia o rastilho, com pólvora negra e depois gritavam “Foogo”, para as pessoas se abrigarem atrás daqueles penedos. Obras grandes, como aquedutos e pontes!
JM – As pedras iam pelo ar muitos metros e pedras muito grandes. Eu andei na estrada que vem do Lindoso à Portela do Homem. Andei nessa estrada, pia fora a construir muros.
FM – Mas a gente andava contente, e toda a gente ganhou dinheiro. Eu ganhava nove escudos.
AM – Eu comecei, rapaz, por ganhar 7!
JM – Depois fui para a tropa e voltei a trabalhar nos campos. Aos 27 anos casei e houve um concurso para guarda florestal, o meu irmão já era guarda florestal, o mais velho. Concorri em 1958 e fiquei nos serviços florestais como guarda em 1960. Tomei posse no dia 23 de Maio, fui em Junho para Trás os Montes, Vila Pouca de Aguiar. Mas fui sozinho, porque a minha mulher teve uma complicação do parto e ficou no hospital até Agosto. Fiquei em Vila Pouca de Aguiar sozinho até Agosto. Nessa altura trazia lá por volta de 100 pessoas por dia, dedicadas às plantações de pinheiros silvestres.
AG – E como era feita essa plantação?
JM – Ora, o primeiro serviço que fizemos lá foi abrir as covas. Primeiro fazia-se a preparação para as plantações Maio a Setembro, que era roçar a vegetação brava que havia. Em Agosto e Setembro abriam-se as covas. Tinham que ter quarenta centímetros, em todas as dimensões. E um Homem tinha que fazer, por dia, 40 covas. De outubro até março, com as chuvas, fazia-se então a plantação. Dois pinheiros por cova.
AM – As covas eram alinhadas com uma vara (ou um arame), para ficarem em quincôncio. Ainda se vê na floresta esses pinhais de pinheiro silvestre alinhados em todas as direções.
JM – Quando comecei o meu trabalho, como disse, estava sozinho na casa. Tinha que estar com o pessoal ao nascer do sol, e tinha que correr a serra toda e despedir o pessoal ao pôr do sol e ainda tratar da casa e cozinhar para mim. E pior, ainda não havia postos de vigia, mas havia vigilância dos incêndios, e cabia-me também a mim ir para o alto da serra tomar conta. Trabalhava de noite e de dia.
FM – Quando cheguei lá não parecia ele, tão magro que estava!
AM – As mulheres eram criadas gratuitas dos serviços florestais. No caso da minha mãe. Tinha que tomar conta da casa do guarda, dele e dos filhos, que também trabalhavam para os serviços florestais, levar-lhes a comida à serra e quantas vezes acudir a alguma emergência.
AG – Como é que se dava a tomada de posse? Como era feita a transição entre guardas florestais? Não tinham encarregados?
JM – O guarda anterior ficava uns 15 dias comigo, para ensinar as voltas da serra. Na altura havia umas casas melhores do que outras, os novos guardas iam para as mais fracas e quando iam vagando ia-se trocando. Nas plantações havia um ou dois capatazes. Mas eu nunca gostei muito de deixar o trabalho para outros.
AM – No caso do meu pai tinha que mudar de casa todos os 3 anos. Esteve no Gerês, Valdezende, Santa Luzia, Facha, Aveiro, Amarante, Bragança. Penso que foi mais tarde que os guardas começaram a poder ficar mais tempo nas casas, também porque as famílias assim queriam.
AG – E como era feita a mudança de casa?
JM – Vinha um camião e pessoal dos serviços e mudava-se tudo. As coisas e as famílias, tudo na caixa do camião, às vezes num monte de palha para ser mais confortável. A despesa era toda dos serviços. Eu estive só em três casas, Vila Pouca de Aguiar, Padela em Vitorino de Piães e Boa Nova em Cabaços, nesta fiquei vinte e quatro anos. Mas só vim depois de estar a fazer um curso de meio ano em Cabeceiras de Basto. Por fim a minha mulher pediu para mudarmos para a Boa Nova por causa da escola dos rapazes.
AM – Lembro-me de a minha mãe, quando se chegava a uma casa nova, ficar a chorar à noite ao ver as louças de porcelana que se partiam!
AG – Com tanta gente no monte a fazer plantações como faziam as contas?
JM – Muito complicado. Os homens tinham de ordenado 18 escudos e as mulheres 14, mas havia os dias, meios dias, e quartos de dia. E esta conta é que tornava tudo complicado. Tinha que fazer aquilo tudo certinho, todos os dias, para ir para a administração para vir o dinheiro, que vinha todos os 15 dias. Mas tinha que registar também as áreas que tinham sido feitas, o número de covas, o número de árvores plantadas. As plantações davam muito trabalho. Passei noites em claro a fazer contas, e muitas vezes chegava ao fim e faltava um escudo ou meia dúzia de pinheiros e tinha de fazer tudo outra vez.
AM – Temos de ver que um Guarda Florestal não era um homem de letras nem de números. Tinham a quarta classe. Mas essa quarta classe podia servir de muito se lhe desse uso. Eu lembro-me muito bem do trabalho que dava essa escrita diária de centenas de pessoas, cada um com horas de trabalho, trabalhos e rendimentos diferentes.
AG – Nas plantações era a mesma gente que preparava o terreno no verão?
JM – Sim, mais ou menos a mesma quantidade. Por vezes as famílias variavam, porque tínhamos instruções para dar trabalho ao maior número possível de famílias diferentes, e ir equilibrando, se uma família fosse mais necessitada tínhamos que tentar que trabalhassem mais tempo para lhes acudir e dispensar as outras que tivessem mais remedeios.
AG – E além do pinheiro silvestre, o que plantavam?
JM – O silvestre ia para as terras melhores, onde se pudesse fazer covas, pois as plantas vinham aos molhos. Em cada cova metíamos dois pinheiros. Mas o pinheiro bravo ia para as outras terras. Esse era semeado. Rapava-se o mato, mas com menos esmero, para ficar algum a fazer terra e segurar por causa da chuva. Depois de as mulheres e os rapazes fazerem o trabalho de limpeza vinham os homens com uma picareta e picavam o monte todo. Só então é que o terreno estava pronto para fazer a sementeira. Vinha um engenheiro que ensinava o pessoal como devia fazer para espalhar o penisco. Mas também plantávamos carvalhos, bétulas e outras. Normalmente estes iam para as zonas mais húmidas, como as linhas de água e serviam também para ajudar a travar algum fogo que viesse. O pinheiro e o eucalipto propagam o fogo mais depressa. As folhosas também ardem, mas muito mais devagar.
AG – Mas a vida de guarda não era só plantar. A certa altura já tudo estava semeado.
JM – É verdade! A maior parte do meu trabalho foi cultural, não foi de plantações. Quando vim para Ponte de Lima já estava quase tudo plantado. O pinhal tem três fases principais, o nascedio (até aos quatro cinco anos), bastio (depois até aos treze catorze anos quando se começa a designar fustadio) e o alto fuste. Quando vim para cá o pinhal estava já na altura de fazer os desbastes do bastio.
AM – Naquele tempo, até se fazerem as mondas, o pinhal estava todo crivado de árvores, não se via para a frente nem dez metros de tal modo estava basto.
JM – É verdade, como o pinhal era muito basto não esgalhávamos, as ramas caiam sozinhas. Só o silvestre precisava que tirássemos os ramos para não ganhar nós. Geralmente fazia-se uma monda de 4 em 4 anos. Era mais ou menos esse o intervalo em que fazíamos cortes de desbaste nos perímetros florestais.
(continua)
Nota: Artigo publicado na edição impressa da Agrotec 25.
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