Há dez anos, na Herdade Maria da Guarda, em Serpa, não se produziam mais do que 500 kg de azeite. Uma década volvida e a herdade, que já produzia azeite durante a época romana, tem o maior olival do país. Uma história de sucesso que implicou uma reviravolta na vida do proprietário, João Cortez de Lobão.
Beja desenhava-se no horizonte quando, na viagem de carro até à Herdade Maria da Guarda, em Serpa, o telefone toca mais uma vez. João Cortez de Lobão atende, troca umas palavras em inglês e fecha negócio com o trader do outro lado da linha. Acabara de vender 54 toneladas de azeite extra-virgem a um comprador espanhol por 3.55 euros o quilo. E ainda nessa manhã, o mesmo trader comprou-lhe igual quantidade de azeite. «Foi o preço mais baixo que vendi este ano», comenta.
«Começámos nos quatro euros o quilo, ainda vai cair até aos 3,40 euros, porque a Grécia, a Tunísia e a Espanha também já começaram a produzir».
Estamos a entrar na reta final da campanha de apanha da azeitona, para os grandes e pequenos produtores. A centro e sul decorre há umas semanas, a norte é que começa sempre um pouco mais tarde. «Não se sabe muito bem porquê, mas Portugal começa sempre a campanha cerca de duas semanas antes de outros países do hemisfério norte», conta João, ainda a caminho do olival que, há dez anos, o fez mudar radicalmente de vida.
Nessa altura, dali saíam por ano uns simbólicos 500 kg de azeite. Depois de muito trabalho e de um investimento total de cerca de 15 milhões de euros, a reviravolta ficou completa. Hoje a produção está nos 2 milhões de quilos, sendo que 95% é exportada a granel, sobretudo para França e Itália.
Neste outono invulgar, o Alentejo recebe-nos ameno. E a mancha de verde carregado da qual nos vamos aproximando é, de facto, impressionante. Situada a cerca de 30 km de Espanha, a Herdade tem o maior número de oliveiras numa só propriedade. São 700 hectares em que, alinhadas, se espalham 1,1 milhões de oliveiras. Em pouco mais de dez anos, a Herdade Maria da Guarda – uma propriedade agrícola centenária, na mesma família há mais de 300 anos – dá trabalho a 35 pessoas e tornou-se na segunda maior produtora de azeite do país. Mas esteve para ser vendida.
Antes de chegarmos ao pódio da produção nacional de azeite e à apanha propriamente dita – e ainda antes de pormos os pés na Maria da Guarda – voltemos à estrada, onde João nos vai desfiando a sua história que, há dez anos, coseu nos destinos da propriedade.
A herdade, que tinha sido nacionalizada, foi entregue aos proprietários «em muito mau estado», descreve. Em 2005, o pai chamou os herdeiros para discutir a hipotética venda. Nessa altura, João Cortez de Lobão já tinha sido muitas coisas. Começou pelo jornalismo, primeiro no Tempo e depois no Expresso.
Seguiu pelo setor financeiro em Nova Iorque – trabalhou, inclusivamente, nas Torres Gémeas até 2000, um ano antes do 11 de setembro. Quando recebeu a ‘convocatória’ para a reunião familiar sobre os destinos da Maria da Guarda pertencia à alta direção do BCP, tinha carro, prémios anuais, boas perspetivas para a reforma.
«Zanguei-me com o meu pai porque achava mal vender. Ele respondeu-me que lhe doía muito mais a ele ser o autor da venda do que a mim, mas disse que não venderia se houvesse uma solução».
E João arranjou-a, optando pela decisão que, «economicamente», não era a que fazia mais sentido: despediu-se. «No banco perguntaram se estava com alguma crise de identidade», recorda. No último dia de trabalho, no final de novembro de 2006, meteu-se no comboio para se ir despedir da equipa do Porto. «Cheguei lá e disse que ia ser azeiteiro, que no Alentejo é uma expressão usada para designar alguém que faz azeite, mas que no Porto tem uma conotação negativa e desataram a rir-se».
Dez anos depois, os resultados falam por si. Nesta altura do ano, o lagar processa cerca de 50 toneladas de azeitona por dia, tanto a proveniente dos olivais da herdade como a de outros produtores. «Quanto mais houvesse mais vendíamos». Os tempos na Maria da Guarda são de prosperidade: mas os três primeiros anos foram muito difíceis. Quando João se lançou à terra, explodiu a crise do subprime e o financiamento complicou-se.
«No ano em que começámos cometemos muitos erros», lembra João. Mas também usaram as derrotas para melhorar os resultados. Por exemplo, passaram três anos a experimentar lagares da zona até que construíram o próprio lagar da herdade, em que foram investidos cerca de cinco milhões de euros.
E a apanha também está otimizada ao máximo: quatro máquinas cavalgantes fazem o trabalho de muitas mãos. Por hora, cada máquina apanha a azeitona de 800 oliveiras, que, sem rasar o chão, chega já limpa aos caixotes. Dali a azeitona segue para o lagar e, em menos de seis horas, o processo de transformar a azeitona em ouro líquido está completo.
Prevê-se que a produção de 2017 supere a do ano anterior. Problemas com a seca? «Haveria se a produção fosse de sequeiro. Mas grande parte do olival é regado», explica o produtor, contando que a água chega do Alqueva. Do Alentejo, o azeite da Maria da Guarda segue para todo o mundo, mas principalmente para Itália.
«Os italianos têm canais de distribuição imbatíveis», comenta. De Itália, o azeite segue para o resto do mundo com o rótulo da União Europeia. Um negócio que Portugal está a dar cada vez mais cartas. Mas o azeite português é reconhecidamente bom há milénios.
«Já no tempo dos romanos o azeite da Lusitânia era tido como de primeira qualidade e estava reservado às elites». E os vestígios romanos pela herdade mostram que já nessa altura ali se produzia azeite, que, possivelmente, terá chegado a Roma. A história a repetir-se – desta vez, com uma tónica positiva.
Fonte: Sol