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A recente conferência Climate Change Leadership foi o pretexto para uma conversa com Adrian Bridge, CEO do Grupo Fladgate Partership e organizador deste evento. As alterações climáticas estão no centro das preocupações deste empresário que está focado em encontrar soluções junto das melhores práticas mundiais.
Porquê organizar um evento internacional [Climate Change Leadership] para discutir as alterações climáticas?
Porque é um assunto importante e porque estou convencido que o setor vitivinícola tem capacidade para lidar com este problema. Para além disso nossa cidade é bem conhecida mundialmente, só há três vinhos no mundo que levam o nome das suas cidades, Bordéus, Jerez e Porto. O nome Porto é conhecido mundialmente, não é um grande concorrente para muitas zonas vitícolas porque é único, vem do Vale do Douro, e acho que alguém tem de liderar este processo, não é por orgânica que este assunto se resolve…
Mas sentiram essa responsabilidade, como produtores, de organizar um evento em grande escala?
O nosso Grupo está envolvido em combater este problema há cerca de 20 anos. Temos 74 lavradores e fazemos formação com eles, promovemos novas formas de plantar com mais sustentabilidade. E se estamos preparados para trabalhar e partilhar informação com 74, porque não com 704? Ou 7400?
Estou preocupado, é evidente que todos os dias termos evidências à nossa volta. Neste momento estamos com temperaturas verão e estamos a meio de fevereiro! [data da realização da entrevista]Mas não vale a pena falar mais do problema, agora temos é que falar das soluções e a nossa empresa acredita que vale a pena fazer alguma coisa. O que não se pode fazer é baixar os braços só porque é complicado, demora tempo e custa dinheiro. Somos uma empresa com 327 anos, há mais de três séculos que temos uma liderança nos vinhos do Porto e este é o assunto mais importante para todos nós. Claro que isto custa muito dinheiro, é um grande investimento e por isso lançámos uma Fundação, que é o The Porto Protocol, uma iniciativa sem fins lucrativos que funciona para trocar ideias. E avançamos com uma visão muito simples: primeiro, fazer mais amanhã do que hoje e, segundo, partilhar os sucessos e o que estamos a fazer, independentemente do ponto onde estamos na nossa viagem. No nosso caso, temos 20 anos de trabalho nesta matéria. O Grupo Amorim, que é o grande mentor, tem muitos anos de experiência sobre esta problemática… e há outras empresas que estão a começar agora. E se lhes disser que precisam de diminuir 10% ou 20% a sua pegada de carbono eles não sabem o que é, não está sequer medido. Mas, independentemente da fase em que estejam, é possível fazer mais. Mas muitas vezes para fazer mais precisamos de novas ideias. E de onde vêm as novas ideias? De outras empresas que já têm experiência com este assunto.
Não necessariamente só do setor do vinho?
Certo, fora do nosso negócio… E quando falamos de vinha associamos a vinho, mas há muitas vinhas mundialmente para produção de uvas de mesa ou outros negócios como a produção de passas, por exemplo. Mas é a mesma planta, só que em regiões diferentes para negócios diferentes. O maior produtor de passas é a Turquia, tem muita experiência com vinhas e com um clima completamente diferente do nosso.
“Avançamos com uma visão muito simples: primeiro, fazer mais amanhã do que hoje e, segundo, partilhar os sucessos e o que estamos a fazer, independentemente do ponto onde estamos na nossa viagem.”
Se nós nos sentarmos a dizer que não há soluções e não abrirmos os nossos olhos ao mundo não chegaremos à solução. Temos de estar preparados em Portugal ou no Chile para falar com pessoas da África do Sul, que tem experiência de seca extrema, ou com pessoas em Napa [Califórnia] que estão a liderar experiências na captação de carbono, ou o Miguel Torres, em Espanha que tem a sua adega muito avançada nestas matérias. Temos de aprender e há exemplos em todo o mundo. E desta maneira, no meu ponto de vista, mudámos o debate dos discursos de problemas para os discursos de soluções. Mas nesta fase é preciso sublinhar a urgência, não há tempo. O que é vamos fazer amanhã?
Na conferência de 2018 disse que se 10% das pessoas que lá estavam saíssem a pensar em implementar soluções seria ótimo. Passado um ano, sentiu mudanças, foram implementadas soluções, há mais empresas interessadas nesta questão?
Tenho 130 empresas que assinaram o Protocolo, pequenas e grandes, e todos os dias recebemos mais gente. Mas sozinho o Porto Protocolo não é a solução integral, há outras empresas que estão a tratar deste assunto mundialmente. Este ano estive em Davos pela primeira vez e há uma grande preocupação, desde empresas petrolíferas a start-ups. Conversei com muita gente que tem soluções e outros que querem diminuir a sua capacidade de poluir. Qualquer empresa do mundo precisa disto e qualquer cidadão deve estar preocupado com isto, senão o que é que vamos deixar para os nossos filhos e netos? Todos os dias vemos exemplos de alterações climáticas, as notificações da quantidade de espécies que matamos é uma realidade. Há presidentes dos Estados Unidos que não querem admitir isto, mas independente da postura de Trump, e Obama disse isso na conferência de 2018, dentro das cabeças dos cidadãos e das empresas e dos Estados entende-se esta urgência. Há pessoas que dizem que não vale a pena fazer nada porque os chineses estão a poluir, isto é impensável. Mas lembra-se há dois anos atrás quando começámos a pagar pelos sacos de plástico? As pessoas diziam que era inconveniente mas agora já ninguém se lembra e já ninguém quer o plástico …
E foi tão rápida a adaptação…
Certo, porque toda a gente está preocupada mas a realidade é que toda a gente precisa de ajuda, de soluções, de sinais. Algumas vezes sinais vêm do Governo, outras vezes das empresas, das comunidades, das famílias… se o Porto Protocol é uma das fontes, boa! Mas sozinhos não fazemos nada…
No setor agrícola, por onde é que passam as soluções para mitigar as alterações climáticas, por onde se pode começar?
Na área da viticultura é necessário formar os lavradores que precisam de adotar novas metodologias. Fui ao Douro recentemente e, como sabe, nesta época do ano há muitas pessoas a fazer poda na vinha. E no final os resíduos são queimados. Ou seja, mais carbono. Era tão mais fazer compostagem! E este é só um pequeno exemplo.
Na nossa empresa, por exemplo, todas as mangueiras têm ‘pistola’, o que implica que uma utilização mais eficiente na adega, não ficam mangueiras no chão a escorrer água enquanto não se desliga a torneira. Quanto custa uma pistola? 80€. Mas quanto se poupa em água? As ‘pistolas’ pagam-se num ano, dependendo do nível de descuido que se tinha… Com a água e com a eletricidade há muitas coisas simples a fazer. Às vezes custa mais fazer as coisas bem, mas vai custar menos no médio longo prazo. Parar para pensar e fazer é o mais importante.
Mas não estou aqui para mandar fazer o que quer que seja. Há soluções, cada um conhece o seu negócio e é preciso perceber que qualquer coisa, por mais pequena que seja, ajuda. E vou dar-lhe um exemplo prático: imagine em Portugal, que deve ter 5 milhões de adultos, se estes só fervessem a quantidade de água que precisam… Ferve-se um litro quando só precisamos de meio litro. A poupança de energia é brutal, se replicada por milhões, 365 dias por ano. São pequenas coisas… Mas o que queremos é apresentar casos de empesas que já tomaram iniciativas e sabem o que funcionou. E de que forma podemos beneficiar na nossa região com esta aprendizagem. Vamos precisar de fazer experiências, testar o que funciona em cada caso e adaptarmo-nos. E desta forma poupamos com benefícios diretos para as empresas, mas também para o ambiente.
Sempre tiveram uma fortíssima consciência ambiental. Não regam e foram dos primeiros a ter vinha biológicas…
É verdade, nós temos vinhas biológicas mas atenção que sustentável é diferente de biológico. O peso carbónico do biológico pode ser superior. Os vinhos biológicos tem uma pegada maior do que os convencionais porque, normalmente, o rendimento por hectare é menor em 25% mas os custos de mobilizações, tratores, etc, são iguais. Ou seja, cada litro pesa mais.
Mas tem benefícios na biodiversidade que não contabiliza…
Sim, mas isto mostra realisticamente a complexidade destas matérias e prova que, muitas vezes, práticas que julgamos benéficas tem outras implicações. Há coisas que não estavam previstas e outras que não entendemos na altura… Mas sim, esta é uma preocupação nossa de há muitos anos, estamos muito conscientes disto na nossa equipa de cerca de 800 pessoas.
Quando construímos o Yeatman investimos 33 milhões mas, destes, 3 milhões estavam ligados a medidas de sustentabilidade. As águas quentes são aquecidas com energia solar, recuperamos as águas de banhos para uma cisterna de tratamento e são reutilizadas para as sanitas e para rega. E isto foi em 2009. Sim, a sustentabilidade está no nosso ADN e vai continuar em tudo.
“Sustentável é diferente de biológico. O peso carbónico do biológico pode ser superior. Os vinhos biológicos tem uma pegada maior do que os convencionais.”
Continuo a frisar que o plástico é um bom exemplo. O Governo obrigou os consumidores a pagar pelos sacos porque quer influenciar as pessoas, mas o que faz a diferença é que as pessoas entendam. Elas desistiram de usar plástico não porque não quisessem pagar os 5 cêntimos mas porque o plástico é mau. Portugal tem a ambição de chegar à neutralidade carbónica até 2050, o que é bom. Se atingirmos este objetivo em 2040 é melhor, mas se conseguirmos fazer isto no mesmo tempo que o IKEA, que vai atingir a sua neutralidade carbónica em 2030, seria ainda melhor. Porque cada ano que passa o mundo degrada-se mais. Este objetivo é bom, mas só se conseguirá colocar o plano em marcha quando os cidadãos tiverem a sua reação, só aí é que se fará a diferença. Mas é possível, e todos temos uma contribuição para fazer.
Com a questão do aumento da temperatura, e no Douro sentimos isso de forma mais dramática, esta opção de não regar continua viável?
Precisamos de diferenciar a necessidade de regar plantas jovens, que precisam de ajuda para estabilizarem, da rega para produção. Há o risco de as pessoas regarem mais do que a capacidade do rio Douro. Aliás, nós não temos um rio, hoje em dia já não é um rio, o rio parou em 1974. Com as barragens ficámos com lagos no Douro e é importante sublinhar que não há muita água. Em setembro de 2017 a nascente do rio douro em Espanha secou completamente, se não houvessem barragens tínhamos percebido, mas como temos lagos não notámos. Obviamente que estou preocupado com o impacto ambiental da rega, não há muita água disponível. E se, a acrescer à nossa atividade, ainda formos regar em zonas onde nunca foi plantada vinha, zonas onde naturalmente não era possível sustentar videiras, isso vai tornar a situação ainda mais complicada. Está-se a fazer isto porque se pode ir buscar água aos lagos e isto é muito negativo. Mas não implica que o Vale do Douro não consiga funcionar para os seus vinhos do Porto e DOC Douro. Calculo que teremos alterações nas datas de vindima, vamos começar a vindimar em agosto e não em setembro. Apesar disso continuo otimista com o Vale do Douro e penso que podemos continuar a nossa atividade, mas precisamos de respeitar as alterações e começar a mitigar os problemas.
Nos últimos quatro anos tivemos três anos de doenças graves na vinha, como oídio, e precisámos de tratar as uvas e usar químicos, que têm um peso carbónico alto, com tratores, mão-de-obra, água, tudo o que é necessário… e não podemos controlar isto completamente quando é o clima que provoca estas doenças. Mas podemos resolver uma parte do problema em zonas de vinhas abandonadas que neste momento funcionam como incubadoras de doenças. Se tenho cinco lavradores e no meio deles está meio hectare abandonado, isto significa que todos os outros precisam de fazer mais tratamentos do que o necessário. Podemos tratar disto facilmente, cada videira está registrada, o ministro da Agricultura pode obrigar a tratar, arrancar ou vender, mas o que não pode acontecer é uma vinha ficar abandonada a provocar estragos e a ser um foco de doenças, com mais custos económicos e ambientais. E isto, sim, pode ser controlado politicamente.
São das poucas empresas que só produzem vinho do Porto, apesar de serem muito virados para inovação… Não há a tentação de fazer outras coisas?
No nosso grupo somos dos maiores vendedores de vinho do Vale do Douro e outras regiões do nosso país. Temos um hotel vínico e estamos em fase de construção do World of Wine, que vai ser um museu de experiência de vinho português, e não só vinho do Porto. Do nosso ponto de vista, estamos focados no vinho do Porto porque esse é o nosso know how, entendemos este negócio e fazemo-lo bem há séculos. Somos a empresa com mais vinhos com 100 pontos do que qualquer outra empresa do mundo e, na realidade, se entrarmos no vinho de mesa existiria uma expectativa de que teríamos de produzir os melhores vinhos do mundo. Mas para isso precisávamos das melhores uvas e teríamos de as roubar ao vinho do Porto para fazer DOC Douro. E não fazemos isso porque o vinho do Porto de categorias especiais está em crescimento e nós focamo-nos só nestas categorias, não temos outras gamas. Não posso dizer que isso nunca vai acontecer, não existe um dogma contra vinhos DOC, mas no nosso grupo precisamos mesmo de todas as nossas uvas para fazer vinho do Porto.
A regulamentação existente para a produção de vinho no Douro ainda faz sentido?
A realidade dos regulamentos que temos que gerir no Vale do Douro está, no meu ponto de vista, a diminuir o potencial da região.
“Precisamos de diferenciar a necessidade de regar plantas jovens, que precisam de ajuda para estabilizarem, da rega para produção. Há o risco de as pessoas regarem mais do que a capacidade do rio Douro.”
Não está a acompanhar a realidade?
É óbvio que o regulamento que foi feito em 1953, com algumas modificações, não serve para 2019. O consumo de vinhos alterou-se bastante. Até existir uma alteração de regulamentos, que liberte e potencie mais o setor, vamos continuar assim.
O que é que era urgente alterar no regulamento? O ‘benefício’ ainda faz sentido?
O que é necessário é que as pessoas se sentem e percebam que temos dois negócios no Douro. Um é o vinho do Porto e o outro o vinho DOC e eles têm regras completamente diferentes e isso não é muito lógico. Um estudo da UTAD publicado em setembro de 2018 chama a atenção para este problema. Ainda é possível manifestar 55 hectolitros por hectare no Vale do Douro e não há qualquer zona do Douro que produza 55 hectolitros. Pontualmente, uma quinta, pode conseguir, mas quase todo o Douro produz em média 32 hectolitros. Porquê continuar com um número que não está ligado à realidade? É preciso ter coragem para aceitar a realidade, mas algumas pessoas dizem que não se pode mexer com isto, porque o benefício é uma coisa histórica… então, se é histórico e funciona, porque é que não se aplica para o vinho DOC? Não pode ser bom para um vinho e mau para outro quando se fala da mesma quinta.
É uma concorrência desleal?
É desfasado da realidade. É a postura da avestruz. Para avançar é preciso coragem.
Coragem politica?
As mudanças são complicadas. Com as alterações climáticas é a mesma coisa. Os políticos têm de aceitar e entender estas questões, têm os académicos que podem ajudar, têm empresas envolvidas que podem partilhar a sua experiência, não só a Fladgate mas também outras. A lógica do Vale do Doutro é que temos de ter as mesmas regras. Caso contrário temos de designar quintas produtoras de vinho do Porto e quintas produtoras de vinho DOC, e até outras para vinho espumante… De qualquer maneira temos de decidir o que é preciso fazer. A ideia de que se não pensarmos o problema resolve-se não existe. O que não pode acontecer é continuar a ser possível manifestar duas vindimas na mesma quinta, uma em papel em outra em uvas…
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Fonte: Vida Rural