Vera Sustelo é um dos exemplos atuais da aposta que os jovens agricultores estão a dar no Algarve. Formada em engenharia agronómica, produz citrinos no concelho de Silves, seguindo a tradição familiar. Nesta entrevista, fala das dificuldades e desafios do setor, sobretudo no sul do país.
Entrevista: Ana Clara
AGROTEC: Fale-me um pouco da sua produção de citrinos no Algarve?
VERA SUSTELO: Tenho 65 ha de citrinos. Produzimos maioritariamente laranja. Tirei o curso de Engenharia Agronómica na Universidade do Algarve e segui os passos da minha família, enquanto produtora de citrinos. Trabalho na Frutarade e desde 2016 tenho a empresa "Quinta da Barragoa”, uma sociedade familiar.
AG: Onde está localizada?
VS: Os pomares estão localizados, maioritariamente, no concelho de Silves, o que, pela proximidade com os restantes pomares da minha família, facilita na gestão de máquinas e mão de obra.
AG: O Algarve é, por excelência, um centro produtor de citrinos. Que condições ideais tem o território para a produção, além das climáticas?
VS: Para além das condições edafo-climáticas e de, por enquanto, recursos hídricos suficientes, o Algarve possui uma ampla experiência dos empresários e engenheiros nesta cultura, que leva a que cada vez mais se produza atendendo à máxima qualidade da produção.
AG: A nível de apoios à produção, em relação a si, a que tipo de apoios se candidatou ou teve?
VS: Infelizmente devo afirmar que existem muito poucos apoios (e os que existem são, praticamente, inacessíveis) para quem está a começar agora como jovem agricultor. Em 2016, através do Pedido Único, tentámos a candidatura à ação 7.2 “Produção Integrada”, a qual, por falta de verba, não foi aprovada (estávamos no segundo ano do quadro comunitário!). No início de 2016 candidatámos um projeto de jovem agricultor e no início de 2017 um projeto de investimento na exploração agrícola. Ambos os projetos têm transitado de concurso em concurso por falta de dotação orçamental. Os jovens agricultores do Algarve estão sem conseguir apoios ao investimento, o que é lamentável!
AG: Como escoa a produção? Para onde? Exporta? Para que mercados?
VS: Nós vendemos a produção na árvore, para duas centrais diferentes. Ambas as centrais fazem exportação, principalmente para países da União Europeia.
Valorizar o produto
AG: Em termos locais, os produtores estão organizados e são apoiados ou falta ainda muito impulso também a uma dimensão mais nacional?
VS: Até agora a organização do setor tem sido um dos pontos mais fracos, apesar dos muitos debates em torno deste tema. Foi criada agora a associação AlgarOrange, à qual pertencem nove dos maiores operadores de citrinos do Algarve, e na qual deposito uma grande expectativa para a melhoria do nosso setor, nomeadamente na valorização do nosso produto. Espero a certificação IGP passe a ter um papel mais relevante e seja o principal fator de diferenciação de qualidade dos Citrinos do Algarve.
AG: Falando de doenças, em particular a Triozaerytreae, como tem sido no Algarve?
VS: A Triozaerytreae ainda não está presente no Algarve, mas a sua presença no nosso país é motivo de grande preocupação para mim e para todos os que trabalham nesta área. É um inseto que para além de causar estragos diretos na cultura, é também o vetor de uma doença chamada Huanglongbing, ou HLB, que tem provocado quebras enormes nas produções de citrinos nos países onde esta doença já se encontra. É importante que nos foquemos na possibilidade de esta vir a ser a maior ameaça, no futuro, para os nossos citrinos.
AG: Como olha para o futuro do setor citrícola em Portugal e o que, na sua opinião, ainda falta fazer?
VS: Na minha opinião, falta muito trabalho, principalmente por parte das entidades responsáveis em diversas áreas. Estou a referir-me, por exemplo, a uma ação mais agressiva na prevenção aos furtos que, de forma crescente, se têm verificado nos pomares, ou na criação de estratégias para uma maior eficiência na gestão dos recursos hídricos, eventualmente aumentando as nossas reservas de água. Teremos que conjugar esforços no sentido de minimizarmos os resíduos de produtos fitofarmacêuticos nos frutos, o que é um desafio, considerando que queremos manter as explorações livres de pragas e doenças, sem comprometer a produção. O setor agrícola é extremamente dinâmico e dependente de uma série de fatores que não conseguimos controlar, há que olhar para os apoios que não estão a chegar aos jovens agricultores, importantíssimos para o início de atividade, apesar de todas as promessas e discursos politicamente corretos por parte dos nossos governantes. Que a «falta de dotação orçamental» não continue a ser a resposta mais fácil que este Ministério da Agricultura consegue dar aos jovens.
AG: Quais são os seus principais desafios, enquanto produtora, para 2019?
VS: Enquanto produtora considero que existem dois desafios principais. Por um lado, manter a excelente qualidade dos citrinos, quando as condições climáticas nos colocam à prova todos os dias. Chove cada vez com menos frequência, as temperaturas baixas chegam mais tarde que o habitual e os verões são cada vez mais quentes. Um outro desafio prende-se com o facto de estarmos a ter uma campanha que se iniciou com preços extremamente baixos, com consequências económicas negativas tanto para os produtores como para as centrais de transformação. Fica a expectativa que haja uma valorização na produção mais tardia.
AG: Por fim, que mensagem gostava de deixar ao setor?
VS: Gostava apenas de referir que, apesar de existirem ainda muitos pontos que deverão ser melhorados, muito trabalho a fazer no sentido de se valorizarem os Citrinos do Algarve tanto no mercado interno, como no externo, temos pessoas com formação, empenhadas e com conhecimento suficiente para acreditar que o setor terá tendência a ser cada vez mais produtivo, mais organizado e com maior capacidade de resposta às ameaças e desafios que enfrentamos e viremos a enfrentar.
Nota de Redação:
Entrevista publicada na edição n.º 30 da Revista AGROTEC, no âmbito do Dossier As novas tendências da fruticultura.
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Fonte: Agrotec