Montado é ‘balão de ensaio’ para projeto europeu de inovação

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O que têm em comum o Burren, região de rocha calcária na costa Oeste da Irlanda, e o Alentejo? Aparentemente muito pouco em termos de paisagem, solo e clima. No entanto, há um projeto Europeu, no âmbito do Horizonte 2020, o HNV–Link, sobre partilha de inovação, aprendizagem e conhecimento em Sistemas Agrícolas de Elevado Valor Natural que liga estas duas regiões europeias.

O HNV–Link pretende reforçar redes, envolve dez parceiros na Europa e visa desenvolver e partilhar estratégias e práticas agrícolas inovadoras que permitam manter o sistema produtivo e continuem a preservar a biodiversidade associada, assim como, a interação com diversas atividades das comunidades integrantes.

No Alentejo, o montado do Sítio do Monfurado (rede natura 2000) foi a área de estudo escolhida para pôr em prática o projeto. “Construi-se uma visão de futuro para o montado, a 30 anos, e concluímos que se pretende preservar o montado agro-silvo-pastoril, com elevado nível de biodiversidade, que dê rendimento aos produtores e que seja sustentável. Percebemos que existe alguma inovação individual mas que há pouca inovação coletiva, necessária para um impacto mais significativo, e que também se identificam conflitos entre objetivos públicos e políticas públicas. Por um lado, os objetivos públicos são alinhados com uma agenda ambiental com estratégias de conservação da natureza e do património e de aposta no turismo que promovem o Montado como um sistema único a preservar. Por outro lado, existe uma agenda económica que promove a intensificação e a especialização da produção agrícola e que se liga à dinâmica de um mercado cada vez mais global, também enquadrada por medidas da PAC, nomeadamente os pagamentos ligados (Pilar I)”, esclarece Isabel Ferraz de Oliveira, investigadora no ICAAM/UÉ e uma das responsáveis pelo projeto.

A experiência de Burren

Já no Burren, região visitada recentemente por uma comitiva portuguesa de investigadores, produtores do Montado e representantes da Administração Pública, o objeto de estudo incide nas áreas de pastoreio extensivo, onde já há cerca de 20 anos foi iniciada a implementação de medidas agroambientais baseadas em resultados, desenhadas à medida para a região. Estas resultaram do programa BurrenLife (2004-2010) e atualmente fazem parte do pacote de medidas agroambientais da PAC para a região.

A manutenção deste habitat depende da gestão do pastoreio que cada produtor implementa e o programa “feito à medida” permite avaliar o estado de conservação destes habitats através de indicadores e de um sistema de pontuação. Quando os resultados pré-estabelecidos são alcançados, o produtor é pago por isso”.

Isabel Ferraz de Oliveira conta que o programa “taylor made” do Burren surgiu após um grande conflito com os produtores que resultou da tentativa de imposição de políticas europeias pouco adequadas às características da região. “Por exemplo, uma das medidas passava pelo facto dos animais deixarem de pastorear as zonas altas da montanha durante o Inverno, as “winterages”, onde existe uma pastagem natural, não muito abundante, mas biodiversa, e que ficassem estabulados durante esse período”, refere a investigadora, acrescentando que o pastoreio estimula a biodiversidade vegetal e contribui para evitar o crescimento invasivo de arbustos. As medidas, impostas na altura, puseram em causa o sistema tradicional do maneio do gado no Burren e os produtores locais desenvolveram, procurando base científica na Universidade, um programa centrado no produtor no qual as ajudas comunitárias seriam dadas em função dos resultados obtidos.

“Um dos resultados a alcançar foi o melhor nível de conservação de habitats considerados ameaçados (Directiva Habitats), nomeadamente os Prados secos seminaturais e fácies arbustivas em substrato calcário (Festuco-Brometalia) existentes nas “winterages”. A manutenção deste habitat depende da gestão do pastoreio que cada produtor implementa e o programa “feito à medida” permite avaliar o estado de conservação destes habitats através de indicadores e de um sistema de pontuação. Quando os resultados pré-estabelecidos são alcançados, o produtor é pago por isso”, acrescenta a investigadora referindo a importância de um apoio técnico competente no cumprimento dos resultados.

Também ao nível do património e da paisagem o produtor tem um papel fundamental. Os muros de pedra, que delimitam as parcelas do Burren, e que são património da região deverão ser preservados pelos produtores que, em determinada altura, os destruíam no sentido de criarem passagens para o gado. Há também um co-financiamento para a construção de portões no sentido de se evitar a destruição dos muros, assim como também há uma ajuda para aquisição de comedouros. Estas medidas, baseadas na gestão, são complementares às medidas baseadas em resultados e pensadas para beneficiarem os resultados ambientais, a jusante. O investimento é cofinanciado em parte pelo produtor e em parte pela comunidade europeia.

Segundo Isabel Ferraz de Oliveira o que se pretende desenhar aqui, à semelhança do programa do Burren, não são medidas agroambientais exclusivamente com base em resultados, mas um misto de medidas baseadas na gestão alinhadas com medidas baseadas em resultados.

Replicar o modelo no montado português

O modelo, que funciona no Burren, e que se crê ser possível transferir para o nosso montado, consiste na definição de objetivos ambientais a atingir pelo produtor. É importante frisar que só são válidos objetivos que dependam em larga escala, das práticas agrícolas utilizadas. “É definido um objetivo num determinado prazo e depois são utilizados indicadores que permitem aferir o cumprimento desse objetivo, através de uma escala de pontuação”, afirma Isabel Ferraz de Oliveira.

Neste modelo temos o produtor a ser remunerado pelos serviços ambientais que presta à sociedade”.

“No âmbito do projeto HNV-Link, o nosso objetivo é iniciar este processo de construção de um programa de medidas agroambientais mistas (baseadas em resultados e em gestão) para o Montado, inspirado no Programa do Burren”, explica a investigadora acrescentando que a grande aposta do projeto para a área de estudo portuguesa passa pela inovação das políticas e, em consequência, pela implementação de medidas que promovam a regeneração do montado, a saúde do solo, as pastagens biodiversas e a qualidade da água. Estes são objetivos ambientais, cujo cumprimento, tem que ser aferido à luz das práticas agrícolas através de indicadores que permitam avaliar de forma simples o resultado. “Neste modelo temos o produtor a ser remunerado pelos serviços ambientais que presta à sociedade”, afirma Isabel Ferraz de Oliveira.

Juntamente com este projeto de Programa de medidas agroambientais mistas para o Montado, ainda em fase embrionária de construção, a ideia é desenhar um apoio técnico “à medida” em função das necessidades que se vão revelando e dos resultados que se vão obtendo, após a passagem da teoria à prática. No Burren os produtores contam com um “farmer adviser” isto é, um conselheiro técnico, que os ajuda na gestão das respetivas explorações agrícolas e que conhece o terreno tão bem quanto o produtor.

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