–
A ideia surgiu a Francisco Almeida Garrett quando se preparava para plantar 70ha de olival intensivo, na Herdade do Conqueiro, em 2003: “porque não aproveitar um canto do terreno para colocar sobreiros e regá-los também?” Assim fez e apenas 15 anos depois está à espera de “chegar rapidamente à cortiça Amadia” (terceira tiragem). O sucesso levou-o a aumentar a área, “estamos a planar mais 38ha de sobreiros regados”, desta vez na Herdade do Monte Novo.
Oito anos depois de plantar os dois hectares de sobreiros, num canto da área de olival (entretanto adensado para superintensivo), ali mesmo com a albufeira do Maranhão à vista, perto de Avis, Francisco Almeida Garrett verificou que alguns dos sobreiros “regados e com um maneio idêntico ao do olival”, já tinham casca com dimensão legal para ser retirada. Isto em vez dos habituais 25 anos. (Ver Caixa)
Este foi o primeiro sinal de que o produtor tinha feito uma opção certa. Que se confirmou quatro anos depois quando foi já possível retirar cortiça pela segunda vez (secundeira) e o “objetivo principal, claro, que é chegar rapidamente à cortiça Amadia”, a primeira que pode ser usada para a produção de rolham e defende que “a partir dos 20/25 anos, com duas tiragens, será possível amortizar o investimento”.
No entanto, Francisco Almeida Garrett salienta que “o comportamento e a qualidade da cortiça proveniente destes sobreiros regados ainda está a ser analisada”, mas diz estar convencido de que não terá diferenças significativas face à cortiça ‘tradicional’. Além disso, adianta que “um montado considerado muito bom produz cerca de 40% de cortiça rolhável, sendo que desta ronda apenas os 30% a que é adequada à produção de rolha natural”, pelo que há muito que só dará para rolhas técnicas e para microgranulados.
Em junho de 2014, Luís Unas, diretor-geral do Fundo Floresta Atlântica dizia à VIDA RURAL, no âmbito de um dossier sobre Floresta Regada, que “como se sabe que a qualidade [da cortiça]é explicada em 90% pela genética, estamos convictos de que não será alterada”.
Sobre o projeto específico da Herdade do Conqueiro, a investigação destas cerca de 200 árvores está a ser liderada pelo professor Nuno Ribeiro de Almeida, da Universidade de Évora, que nos disse ainda não ter resultados. (Ver Texto principal)
Sobreiros tratados como oliveiras
O produtor conta à VIDA RURAL que depois de ter a ideia e decidir plantar os sobreiros e regá-los “procurei informação sobre necessidades de nutrientes, etc. e não encontrei”, por isso acabou por apostar no mesmo compasso do (inicial) olival intensivo – 7/7, que mais tarde passou a 7/3,5 – e “os sobreiros têm tido exatamente o mesmo tratamento ao nível da rega e da fertilização que o olival superintensivo”, que está no sistema de produção integrada. “Fazemos com regularidade análises foliares e de solo”, porque “há uma grande variabilidade genética e as árvores não responderam todas da mesma maneira, mas ao longo do tempo foram-se equilibrando”.
Framcisco Almeida Garrett verificou que alguns dos sobreiros regados e com maneio idêntico ao do olival já tinham casca com dimensão legal para ser retirada”.
Francisco Almeida Garrett adianta que “temos também feito estudos de evapotranspiração nos estomas” e salienta que a rega tem sido idêntica à do olival, “em torno dos 2.500m³ por ha/ano”, acrescentando que “sabemos que as árvores só crescem na primavera e no outono” ficando particamente inativas nas outras duas estações, por isso “o que promove o crescimento é essencialmente, a disponibilidade de água e nutrientes, que transportam das raízes ara as folhas”. Assim, em muitas árvores que passaram por períodos de seca e/ou desequilíbrio a cortiça não cresce e tem irregularidades noa anéis. “Se suprimos isto, o crescimento é contínuo, com anéis regulares”, diz.
Os tratamentos são feitos com uma só passagem do trator, para não compactar o terreno e, “depois de o projeto começar a ser estudado, foi retirada a rega a algumas das árvores para se avaliar o comportamento na mesma zona”.
Francisco Almeida Garrett considera que possível adensar a plantação, pelo que na nova área (38ha) em plantação na Herdade do Monte Novo (também perto de Avis), optou por um compasso de 4/4. O produtor salienta a importância da “disponibilidade de água e solo adequado”, referindo, por exemplo que “se houver calcário ativo é melhor esquecer”.
Gestão integrada do montado
O conjunto da Herdade do Conqueiro tem cerca de 800ha, ocupando o montado em torno de 500ha, enquanto no Monte Novo o total são 900ha, com 400 de montado. Além da cortiça, a família de Francisco Almeida Garrett produz também azeite e vinho (sob a marca Rovisco Garcia) e tem vacas Mertolengas, “que, se calhar no futuro deixarão de existir”, admite o produtor, lamentando que “a parte agrícola é cada vez mais difícil de rentabilizar”, face à florestal.
Assim, tem optado por integrar o montado e a caça certificada e sustentável – de corsos, javalis, tordos e pombos – bem com o ‘Turismo no Montado’, “uma vez que estamos em herdades certificadas pelo PECF e FSC e também incluídas no Wildlife Estates, pelo nosso trabalho em termos e conservação da biodiversidade”.
Francisco Almeida Garrett conta-nos que “estamos a receber já cerca de 900 pessoas por ano para visitas ao montado. São grupos de cerca de 30 pessoas que entre abril e outubro – com interrupção em julho e agosto – dão um passeio de cerca de uma hora pelo montado, durante o qual explicamos toda a atividade, flora e fauna, seguindo-se um almoço, que inclui os nossos vinhos e azeite”.
O que promove o crescimento é, essencialmente, a disponibilidade de água e nutrientes, que transportam das raízes para as folhas”.
A gestão é certificada devido às boas práticas que o produtor há muito tem vindo a implementar: “Não faço mobilizações há mais de 30 anos. Uso apenas corta-matos para a limpeza do terreno que é feita de nove em nove anos e não limpamos tudo, porque é importante deixar ‘ilhas’ para a fauna”. Refere ainda que “o corta-mato favorece também o tojo que é benéfico para o montado”, frisando que “cerca de 70% das raízes dos sobreiros estão nos primeiros 20cm de solo, deitando depois espigões que crescem em profundidade em direção aos lençóis freáticos, ‘chupando’ a água no verão e levando-a para baixo no inverno”.
Francisco Almeida Garrett diz-nos também que estudos mais recentes dos professores Mário Cabral e Nuno Ribeiro de Almeida, da Universidade de Évora, mostram que “o coberto vegetal é muito importante para a saúde do montado porque permite descer a temperatura em cerca de 5° ao nível do solo o verão e aumentá-la em cerca de 3° no inverno”, acrescentando: “mas se o solo estiver limpo e gradado é morte certa para os sobreiros”.
O processo tradicional
São precisos 25 anos até que um tronco de sobreiro comece a produzir cortiça e a ser rentável. Cada tronco tem que atingir um perímetro de cerca de 70 cm quando medido a 1,3 metros do chão. A partir de então, a sua exploração durará em média 150 anos.
Neste primeiro descortiçamento, a chamada desbóia, obtém-se uma cortiça de estrutura muito irregular e com uma dureza que se torna difícil de trabalhar. É a chamada cortiça virgem que será utilizada em outras aplicações que não as rolhas (como pavimentos, isolamentos, etc.), já que está longe de apresentar a qualidade necessária para esse fim.
Nove anos depois, no segundo descortiçamento, obtém-se um material com uma estrutura regular, menos duro, mas ainda impróprio para o fabrico de rolhas e que se designa por cortiça secundeira.
É só no terceiro descortiçamento, e nos seguintes, que se obtém a cortiça com as propriedades adequadas para a produção de rolhas de qualidade, uma vez que já apresenta uma estrutura regular com costas e barriga lisas. É a chamada cortiça amadia ou de reprodução. A partir desta altura, o sobreiro fornecerá, de nove em nove anos, cortiça com boa qualidade durante cerca de século e meio, produzindo, em média, 15 descortiçamentos durante toda a sua vida.