Avaliação do impacto das ações de formação em Agricultura Biológica na Lipor

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Por: Ferreira, C. | Mestre em Agricultura Biológica, IPVC, Escola Superior Agrária de Ponte de Lima

Resumo

Na última década, a Agricultura Biológica na União Europeia cresceu em cerca de meio milhão de hectares por ano, assumindo-se cada vez mais como uma oportunidade, pois trata-te de uma prática que envolve preocupações ambientais, económicas e sociais.

Portugal tem acompanhado esta tendência, surgindo uma nova geração de adeptos (produtores e consumidores) mais atentos às questões de saúde, de bem-estar e de sustentabilidade ambiental, e que têm contribuído para o desenvolvimento da produção biológica.

Neste contexto, face a uma procura detetada a nível do cidadão urbano, surgiram diversos cursos de formação em Agricultura Biológica, sendo a Lipor uma das entidades pioneiras na promoção destes cursos. Estes cursos foram e são um instrumento potenciador e de valorização da mudança de vida das pessoas que os frequentaram.

Com este trabalho pretendeu-se analisar o impacto da frequência do curso de formação de Agricultura Biológica I, lecionado pela Horta da Formiga/Academia Lipor, entre 2006 e 2016, nos domínios profissional, alimentar, saúde e social dos formandos.

Optou-se por uma metodologia de análise qualitativa, com o envio de um questionário online aos 840 formandos com endereço eletrónico, tendo-se obtido 265 respostas (31,5%).

A frequência do curso de Agricultura Biológica I da Lipor alterou comportamentos e consciência ao nível das quatro motivações: saúde, alimentar, profissional e social.

O curso de Agricultura Biológica I da Lipor poderá ser considerado um instrumento potenciador e de valorização da mudança de vida das pessoas que o frequentam, contribuindo de uma forma significativa para aumentar a sua satisfação com a vida e o bem-estar.

Introdução

A Agricultura Biológica em Portugal está em expansão. A Agricultura Biológica inspira-se na forma tradicional de cultivo, recorrendo a novas tecnologias e a conhecimentos agronómicos revolucionários face à agricultura convencional.

Não usa produtos de síntese química nas explorações e dá especial importância à manutenção da fertilidade do solo (OCDE, 2001).

De acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA, 2016), a área ocupada pela agricultura biológica em Portugal, em 2015, era superior a 280 mil hectares, o número de produtores biológicos ultrapassava os 3.800 produtores.

Apesar de se encontrar um pouco à margem dos problemas causados pela intensificação da agricultura convencional, o consumidor português está a inclinar-se, aos poucos, para os alimentos sem pesticidas.

Tal mudança prende-se com as questões relacionadas com a segurança alimentar, pela procura por produtos com maior valor nutricional e sabor e pela crescente preocupação com a sustentabilidade dos ecossistemas (Truninger, 2010).

A procura de produtos oriundos de produção biológica, para consumo, é maior do que a oferta que se verifica, sobretudo no que toca a hortofrutícolas.

O perfil dos produtores de Agricultura Biológica também tem evoluído: os agrónomos biológicos de hoje são mais jovens e com melhores habilitações, (Oliveira, 2011).

Em comparação com a agricultura convencional, a agricultura biológica tem um menor impacto nas alterações climáticas, devido à menor emissão de gases de efeito de estufa, estimando-se uma redução de CO2 de 48% a 60% (FAO, 2007, 2009).

O consumo de alimentos provenientes de Agricultura Biológica é um meio preventivo do bem-estar e saúde por excelência.

Os alimentos provenientes deste modo de produção contribuem para melhorar a saúde, através da redução da exposição a pesticidas e o aumento da qualidade nutricional. (Padel, 2016).

Os alimentos biológicos têm maior sabor, uma vez que são cultivados em solos regenerados e fertilizados com matéria orgânica.

A sua comercialização está sujeita a certificação específica, pelo que os agricultores biológicos seguem um caderno de normas rigoroso, verificado por organismos de controlo e certificação, segundo a legislação europeia de Agricultura Biológica (CE, 2014).

A Agricultura Biológica permite revitalizar os meios rurais e restituir ao agricultor a dignidade e reconhecimento que lhe são merecidos, pelo seu papel de guardião da paisagem, dos ecossistemas agrícolas e primeiro garante da saúde humana. Ela oferece aos jovens de hoje, decisores de amanhã, um modelo de desenvolvimento sustentável do planeta (Entem, 2007). Pode-se afirmar que a Agricultura Biológica beneficia animais, pessoas e o meio ambiente.

Os produtos de origem biológica são considerados, também, mais concentrados, estimulando os recetores do paladar e fazendo com que se coma menos volume de determinado alimento (Ravasco P., citado por Oliveira, 2011).

A preocupação atual com a degradação dos solos, a poluição, a escassez da água utilizável, os elevados preços das matérias-primas/fatores de produção e o aumento estimado da população mundial pressionando a produção de mais alimentos, conduzem a sociedade a rumar a uma Agricultura Circular, onde a Agricultura Biológica tem um forte papel a desempenhar (Martino, 2013).

A Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto é responsável, desde 2002, no âmbito da Academia Lipor/Horta da Formiga, por uma oferta formativa, que incluiu, até meados de 2017, 708 ações de formação, envolvendo cerca de 19 000 formandos direcionadas à comunidade em geral e ajustadas às necessidades que foram sendo detetadas.

Para além da formação, a Lipor tem promovido diversos projetos como a Horta à Porta, Terra à Terra, Dose Certa e Jardim ao Natural, destinados aos residentes na área de intervenção da Lipor, nomeadamente os municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo e Vila do Conde.

Na Lipor a Agricultura Biológica enquadra-se na promoção de comportamentos sustentáveis num contexto da mudança e inclui a prevenção da produção de biorresíduos, como ponto forte da sua estratégia de gestão integrada de resíduos urbanos.

Assim, a promoção da agricultura biológica iniciou-se em formato de cursos práticos, com o objetivo de aumentar conhecimentos sobre o tema e promover um consumo mais sustentável, direcionados ao cidadão urbano.

O curso de Agricultura Biológica I (16 horas) surgiu em 2002, realizando-se desde então com 2 edições anuais, onde se abordam temas; o solo, fertilização das culturas, multiplicação de plantas, rotação e consociação de culturas, práticas culturais, rega, controlo de pragas e doenças e colheita e armazenamento.

Entre 2006 e 2016, o curso de Agricultura Biológica I foi frequentado por cerca de 1200 pessoas em duas edições/ano e, devido, à sua consistência e representatividade, serviu de base ao presente estudo, cujo objetivo principal foi a análise e compreensão do impacto que a frequência deste curso de formação teve nos formando, a nível profissional, social, de alimentação e de saúde.

Material e Métodos

O público-alvo em estudo foi constituído pelos formandos (1120) do curso de Agricultura Biológica I da Horta da Formiga/Academia Lipor, que constavam na base de dados da Lipor entre 2006 e 2016.

Considerando os objetivos a operacionalizar e as hipóteses teóricas a testar, optou-se por recorrer a uma metodologia quantitativa de recolha de dados, construindo um inquérito a partir de um questionário aplicado online, baseado em três grandes dimensões de análise: i) frequência do curso; ii) caracterização sociográfica; iii) impacto do curso no quotidiano dos formandos.

A desconstrução de cada um deles foi levada a cabo tendo em conta uma série de indicadores (Figura 1), posteriormente, deram origem às perguntas colocadas no questionário enviado via online a 840 formandos (número de emails válidos do universo da amostra).

O questionário esteve disponível 16 dias e obteve-se um total de 254 respostas válidas, representando 30,2%.

Os resultados foram transpostos para uma folha de cálculo para análise estatística. Este foi posteriormente adaptado para o software estatístico SPSS – Statistical Package for the Social Sciences, com a intenção de realizar análises univariadas e bivariadas com objetivos puramente descritivos e exploratórios.

figura1

Resultados e Discussão

A caracterização sociodemográfica dos inquiridos (Tabela 1) permite conhecer um pouco do perfil das pessoas que investem o seu tempo e a sua formação na área da Agricultura Biológica.

Conclui-se que a frequência do curso de agricultura biológica tem repercussões pouco significativas ao nível das mudanças profissionais. Apenas 18,5% dos 254 entrevistados relataram que a frequência do curso promoveu algum tipo de mudança profissional. Entre estes, a mudança para o setor agrícola assumiu pouca relevância (Tabela 2).

As alterações provocadas pela frequência do curso de agricultura biológica nas práticas alimentares são referidas por mais de ¾ dos formandos (tabela 3).

Na tabela 4 pode observar-se os benefícios físicos e psicológicos referenciados pelos formandos. O destaque vai para o aumento da atividade física, ao qual se associam outros dois diretamente relacionados, designadamente o aumento da mobilidade e flexibilidade e o aumento da resistência e força.

De referir ainda que a diminuição do colesterol e dos fatores de risco de patologias cardíacas. Já do ponto de vista psicológico, os benefícios mais referidos dizem respeito à sensação de bem-estar e à sensação de orgulho e sentido de produtividade. Entre as respostas obtidas, parece ainda importante destacar a redução do stress e do cansaço.

Destaca-se de novo o sentido de responsabilidade ambiental que o curso propicia e a dedicação a práticas sociais saudáveis (Tabela 5), constitui a segunda consequência mais apontada, não devendo deixar de se assinalar o sentimento de pertença ao “Mundo da Agricultura Biológica” com todo o significado que esta assume como orientação ideológica de vida.

Constatou-se que a frequência no curso de Agricultura Biológica dos formandos inquiridos promoveu uma alteração de comportamentos em diferentes dimensões, desde a melhoria de comportamentos de saúde, melhoria alimentar e qualidade de vida e ainda a adoção de práticas ambientais mais favoráveis.

Em termos de saúde, há uma predisposição para a prática de Agricultura Biológica para autoconsumo pelo reconhecimento dos seus benefícios, a que os inquiridos associam a um estilo de vida caracterizado pelo bem-estar físico e psicológico.

A componente social e comunitária também está associada à Agricultura Biológica, pois segundo os inquiridos adquiriram uma maior responsabilidade ambiental e um maior compromisso com as gerações futuras.

tabela 1

tabela 2 e 3

tabela 4

tabela 5

Conclusão

A realização deste trabalho foi um incentivo muito satisfatório dado que permitiu realizar um estudo sobre o perfil das pessoas que frequentaram o curso de Agricultura Biológica I na última década de 2006 a 2016, podendo avaliar os potenciais impactos nas suas vidas, a nível profissional, alimentar, saúde e social.

Conclui-se que a frequência no curso de Agricultura Biológica I promoveu uma alteração de comportamentos em diferentes dimensões, desde a melhoria de comportamentos de saúde, melhoria alimentar e qualidade de vida e ainda a adoção de práticas ambientais mais favoráveis, sendo um instrumento potenciador e de valorização da mudança de vida das pessoas que o frequentaram.

Apesar de os resultados para Portugal corroborarem grande parte dos estudos internacionais, há particularidades que suscitam pistas de análise para pesquisa em estudos futuros.

Bibliografia

1. APA. 2016. Solo e biodiversidade – Área agrícola em modo de produção biológico. Relatório sobre o estado do ambiente (REA), Agência Portuguesa do Ambiente. Disponível em: https://rea.apambiente.pt/node/142

2. FAO. 2007. Report – International Conference on Organic Agriculture and Food Security. Food and Agriculture Organization of the United Nations, OFS/2007/REP, 11 pp Disponível em: http://www.fao.org/

3. FAO. 2009. How to Feed the World in 2050. Food and Agriculture Organization of the United Nations, 35 pp. Disponível em: http://www.fao.org/.

4. Martino, J. 2013. Empreendedorismo na agricultura. Revista Start&Go, 3, 3. Disponível em http://mailings.vidaeconomica.pt/files/newsletters/2013-08/startgo/startgo3.pdf

5. OCDE. 2001. Adoption of technologies for sustainable farming systems. Wageningen Workshop Proceedings. Organisation for Economic Co-operation and Development. Disponível em: http://www.oecd.org/greengrowth/sustainable-agriculture/2739771.pdf

6. Oliveira. L. 2011. A verdade sobre os alimentos biológicos Disponível em: http://visao.sapo.pt/ambiente/agricultura/a-verdade-sobre-os-alimentos-biologicos=f585870

7. CE. 2014. Agricultura Biológica. Comissão Europeia. Disponível em http://ec.europa.eu/agriculture/organic/index_pt.html. Atualizado em 23/10/2014, consultado em 05/04/2017.

8. Padel, S. 2016. Introduction to global markets and marketing of organic food. In: Deciphering Organic Foods: A Comprehensive Guide to Organic Food Consumption, Karaklas I, Muehling D (Eds), Nova Publishing, Hauppauge, chapter 8 [In Press].

9. Truninger, M. 2010. O Campo Vem à Cidade: Agricultura Biológica, Mercado e Consumo Sustentável. Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa.

10.Entem, A. 2007. Do environmental attitudes predict organic purchasing and environmental organization involvement?. The Student Section of the Agricultural & Applied Economics Association (SS-AAEA) Journal of Agricultural Economics, 1-23.

Agradecimentos:

A autora agradece às orientadoras, Professora Doutora Cristina Parente e Professora Doutora Isabel Mourão, e à Lipor.

Nota:

O estudo científico descrito neste texto encontra–se disponível no repositório do Instituo Politécnico de Viana do Castelo (link de acesso: http://repositorio.ipvc.pt/bitstream/20.500.11960/1961/1/Ferreira_Cristina_18323.pdf

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