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Um binómio considerado impraticável mas que, num dia de campo na sua Quinta da Cholda, João Coimbra mostrou como é possível (e até fundamental) aumentar a intensificação agrícola e ao mesmo tempo diminuir a pegada ambiental, na apresentação dos resultados de dois projetos – Milho Amarelo e SmartCrop – em conjunto com investigadores e empresas participantes nas iniciativas.
Mais uma vez o agricultor João Coimbra mostra o pioneirismo a que já nos habituou, mas desta feita partilha com todos de forma totalmente aberta os resultados de três anos de investigação: “Apesar das dificuldades, criámos uma base de trabalho que tem agora que ser adaptada e afinada para poder vir a ser replicada por outras explorações do nosso país”.
Foi este o espírito que deu origem ao dia de campo para apresentação in loco dos resultados dos projetos Milho Amarelo e SmartCrop, num dia quente de junho. E deixou a mensagem: “para o futuro é preciso integrar a sociedade civil neste objetivo de mostrar que a intensificação não significa perda de biodiversidade, juntar o turismo e outras entidades a estes projetos e aproveitar a nova PAC, porque este é um trabalho mais coletivo da sociedade do que propriamente da produção”.
João Coimbra
Primeiro tiveram lugar as apresentações em sala, com o anfitrião a abrir as ‘hostilidades’, depois os participantes foram divididos em vários grupos e rodaram pelas cinco ‘estações’ espalhadas pela propriedade para explicar as várias áreas dos projetos.
“Foram três anos de investigação com a participação fantástica de investigadores, associações de agricultores, consultores agronómicos, parceiros de negócio, bolseiros dos projetos e toda a nossa equipa da Quinta da Cholda”, afirmou o produtor, acrescentando que “a demonstração foi uma peça fundamental desta investigação, e por isso tentámos divulgar da melhor forma que nos foi possível ao longo dos últimos anos o modelo de negócio baseado nos dois pilares que consideramos serem o futuro da agricultura empresarial: Agricultura de precisão em conjugação com uma atenção ao equilíbrio e à sustentabilidade ambiental”.
João Coimbra salientou ainda que “por certo não chegámos ao fim desta pesquisa, mas consideramos que muito se avançou”, garantindo que o trabalho vai continuar.
Focos ecológicos
Os dois projetos – Milho Amarelo e SmartCrop – são distintos “mas sempre foram encarados em conjunto”, conta João Coimbra, acrescentando que o objetivo foi “aproveitar as zonas marginais, como os cantos de pivots, para culturas de cobertura que trouxessem biodiversidade, sendo foco de atração e abrigo para os insetos auxiliares e polinizadores”.
Ana Monteiro, do ISA
O Milho Amarelo vem na sequência de uma outra iniciativa pioneira, que decorreu entre 2012 e 2014, “quando juntámos, pela primeira vez agricultores a organizações ambientais”. Agora, já com base nesse trabalho e em conjunto com Ana Monteiro do Instituto Superior de Agronomia (ISA) e uma bolseira, fizeram-se vários ensaios para perceber quais as melhores espécies para colocar nas bandas ecológicas, nos corredores verdes e nas zonas de conservação, principalmente espécies que potenciem os insetos que interessam à cultura do milho (neste caso), e também à proliferação de batráquios e morcegos. Este trabalho deu origem a um livro de bolso sobre as “Plantas com interesse para Focos Ecológicos”, com pequenas fichas onde consta uma foto da espécie e, por detrás, informação sobre o seu interesse a vários níveis: parte utilizada, medicinal, alimentação, aves, insetos e outras utilizações.
O agricultor salienta que “o custo deste trabalho não foi elevado, nem foi complicado”.
Juntar toda a informação num só lugar
Um dos objetivos principais do projeto era ter indicadores para mostrar depois os resultados desta aposta na conservação e que levou a que 15% das terras estejam em ‘pousio’, ou seja dedicadas à conservação e biodiversidade.
Bruno Caldeira, da Consulai
“Para continuarmos este trabalho é agora necessário que várias Organizações de Produtores trabalhem em conjunto”, defendeu João Coimbra, falando depois do trabalho que Ricardo Braga e um bolseiro (também do ISA) fizeram na recolha de muitas ‘camadas’ de informação, através de vários equipamentos de agricultura de precisão, sobre solos, rega, cartas de produtividade, etc. e “juntando tudo numa única unidade em open source”.
O produtor dá como exemplo a aplicação georeferenciada de diversos produtos “que nos proporcionou ganhos extra ao reduzirmos em cerca de 70 a 80% as quantidades e o tempo de aplicação”. Já a condução automática de tratores permitiu uma redução do tempo em 30% e “uma muito maior homogeneidade”.
O pousio apresentou-se muito mais argiloso que as outras zonas e entre a sementeira direta e o regadio não há diferenças evidentes, como se calhar estaríamos à espera, embora a taxa de reprodução de microrganismos tenha sido claramente inferior no regadio e, no caso das minhocas, a sua abundância tenha sido muito superior na sementeira direta”, Nelson Abrantes, Univ. de Aveiro
Do projeto fez também parte, embora já numa fase mais avançada, a Universidade de Aveiro para analisar e conhecer melhor o solo. “Os solos têm de ser tratados de melhor forma para aguentar a intensificação da cultura, por isso há zonas onde não mobilizamos o solo há 20 anos e fazemos sementeira direta, para que os microrganismos que se vão multiplicando sejam as nossas ‘alfaias’”.
Referiu depois que do projeto fizeram também parte a Consulai, como gestora e que tomou conta dos indicadores dos resultados, a Hidrosoph que foi responsável pela eficiência do binómio energia/água e a Agrotejo “para criar condições para que estas práticas possam ser replicadas por outros agricultores da região”.
Resultados mensuráveis
Bruno Caldeira, da Consulai, falou depois dos resultados, começando por frisar que “ainda há muitas dificuldades para medir desempenhos e impactos”, salientando que “o nosso grande objetivo foi conseguir agregar numa só plataforma todos os dados que recolhemos” e perceber “que tipos de impactos diferentes áreas de foco ecológico poderão ter numa exploração e a partir daí criar uma baseline para que possam ser delineadas estratégias de melhoramento da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas”.
Estas Áreas de Foco Ecológico (AFE) são microáreas que existem numa exploração e que estão dedicadas aos serviços dos ecossistemas, com anfíbios, aves, para sequestro de carbono e melhoria da qualidade da água e do ar. Ao nível da UE estas AFE têm diversos fatores de ponderação que “nos permitem desenhar estratégias e indicadores de sustentabilidade adequadas ao espaço e à região”, explicou Bruno Caldeira, adiantando que estamos a falar de áreas muito pequenas onde a unidade é o m² e não o hectare. Neste projeto do Milho Amarelo, na Quinta da Cholda foram criadas, e monitorizadas, 33 AFE que se situam entre os 3.000 e os 15.000m², que incluem áreas de pousio com painéis solares, bosquetes, lagoas e sebes com faixas arborizadas.
Gestão em rede aumenta impacto positivo
O analista da Consulai salientou ainda que se estas áreas forem geridas em rede o fator de ponderação pode ser ainda mais elevado uma vez que os benefícios ambientais de áreas de vários produtores e organizações serão avaliados em conjunto.
Nelson Abrantes, da Universidade de Aveiro
Para a medição do impacto das AFE no projeto foi usada uma calculadora de um software aberto que inclui vários critérios para avaliar e valorizar a área, levando a que na Quinta da Cholda a área ponderada (já com o benefício ambiental) das AFE é de 31% (sendo que área real da exploração dedicada a estas zonas é de 15%) e “a esmagadora maioria dos impactos foram positivos”, sublinha Bruno Caldeira, referindo todavia que “tivemos algum impacto negativo ao nível da componente gestão, por causa do trabalho e energia que são necessários para manter as AFE”.
Os resultados obtidos são muito pormenorizados e permitem, avaliar o aumento do tipo e número de espécies animais que vivem nas sebes e áreas arborizadas, por exemplo, como aves, morcegos e abelhas, bem como medir o sequestro de carbono que efetuam. “Conseguimos, por isso, o grande objetivo que era ‘medir para gerir’”, afirmou o responsável, salientando que “na gestão da biodiversidade temos de pensar sempre na região e aqui a proximidade ao Paúl do Boquilobo dá uma grande importância às aves, por exemplo” e para o futuro “é fundamental continuar a valorizar as AFE”.
Plantas com interesse para focos ecológicos
Ana Monteiro, do ISA, explicou depois os processos que levaram à escolha das plantas a colocar nestas AFE e com o estudo do seu comportamento percebeu-se depois quais as que são mais adequadas à região e a ‘trabalhar’ em conjunto com a cultura intensiva do milho.
A professora enumerou algumas das funções que as AFE podem ter, além de habitats para outras plantas, aves, pequenas mamíferos e invertebrados, servem também como barreiras contra o vento, prevenção contra a erosão do solo, fontes de alimento e abrigo para insetos e outros auxiliares e ainda o seu valor recreativo e de valorização da paisagem, bem como fonte alternativa de rendimento das populações locais, com as plantas aromáticas e medicinais.
O difícil foi escolher o que plantar, reconhece Ana Monteiro, porque depois de analisar o solo e clima, fez-se o levantamento da flora da região e o número de espécies é muito elevado “sendo também preciso cruzá-las com os objetivos do projeto e com as suas funções”.
Assim, “foram selecionadas várias espécies, anuais e perenes, e como poderão verificar mais logo no campo, são estas que se mantém, porque as anuais obrigam a semeá-las todos os anos”, afirma a investigadora, adiantando que “o fator água foi determinante porque nestes solos argilosos têm de se regar, pelo menos na instalação, e para o controlo das infestantes optou-se por colocar telas em algumas locais”.
Muitas espécies para avaliar comportamento
No outono de 2015 e primavera de 2016 foram instaladas dezenas de espécies, mas só uma parte sobreviveu. Nos cantos dos pivots foram semeadas ou plantadas cerejeiras, alecrim, murta, medronheiro, romãzeira, etc., nas entrelinhas dos cantos semeou-se também uma mistura de sementes de espécies anuais aromáticas e medicinais, como funcho e verbena, e em canteiros borragem, camomila e orégãos, entre outras. Ana Monteiro destaca a importância do sistema de rega gota-a-gota em algumas das zonas, “com grande investimento do produtor e sem o qual muitas espécies não teriam sobrevivido”.
Marta Delgado, da Hidrosoph
Na primavera de 2017 foram analisadas as AFE, para aferir a taxa de sobrevivência e “que variou muito consoantes os anos e as espécies. Já este ano com o frio morreram algumas plantas, mas a partir daqui já temos indicadores que nos permitem selecionar para anos futuros o que se deve usar nestes focos ecológicos nesta região”, afirmou a professora, salientando que “foi então elaborado o pequeno livro de bolso, que o produtor João Coimbra já referiu” e que está disponível para todos.
Análise integrativa da qualidade do solo
Nelson Abrantes, da Universidade de Aveiro, foi depois apresentar os resultados da avaliação da qualidade do solo, salientando que “entrámos já numa fase mais avançada do projeto, em 2017, mas com todo o gosto” e explicando que “fazemos uma abordagem integrativa analisando os compostos físico-químicos do solo mas também a sua ecologia e a ecotoxicologia”.
Na Quinta da Cholda, os investigadores recolheram várias amostras das diferentes áreas – regadio, sementeira direta (sem mobilização há 20 anos), bandas herbadas, sequeiro e pousio (há cerca e 30 anos) –, em duas alturas (pré-sementeira, em abril e pós-colheita, em outubro), para comparar a qualidade do solo.
Com base num trabalho de um aluno de mestrado, Nelson Abrantes apresentou resultados “fresquinhos, que ainda carecem de alguma análise mas que quis trazer para mostrar alguns exemplos interessantes: por exemplo o pousio apresentou-se muito mais argiloso que as outras zonas e entre a sementeira direta e o regadio não há diferenças evidentes, como se calhar estaríamos à espera, embora a taxa de reprodução de microrganismos tenha sido claramente inferior no regadio e no caso das minhocas a sua abundância tenha sido muito superior na sementeira direta, dando-nos indicação que vale a pena apostar nestas formas alternativas”.
A rega de precisão no projeto SmartCrop
“Aceitámos com muito gosto o desafio de fazer parte deste projeto porque o que procuramos sempre no dia-a-dia é precisamente encontrar as melhores soluções para cada agricultor”, explicou Marta Delgado da Hidrosoph, destacando o contributo de toda a equipa da empresa, com diversas valências, pois “é muito importante percebermos que o conhecimento não avança se não houver esta interação e a integração da informação de diferentes proveniências, de pessoas que pensam de modo diferenciado, porque se pensarmos todos da mesma maneira não vamos conseguir encontrar soluções para os nossos problemas”.
No SmartCrop, o objetivo foi desenvolver soluções que melhorassem o processo de tomada de decisão, em termos de rega, “ aumentar a eficiência de utilização dos fatores de produção e da energia elétrica, para aumentar a produção com o mínimo de impacto possível e seguindo uma abordagem economicamente sustentável e de transferência do conhecimento”.
A maior parte dos produtores tem a possibilidade de regar em diferentes períodos de taxação, assim, o calendário de rega preenche primeiro as horas em que é mais barato, se estas não forem suficientes passa para o escalão seguinte e assim sucessivamente”, Marta Delgado, Hidrosoph
A consultora da Hidrosoph frisou que “a rega é aquela decisão que temos de tomar todos os dias” e para isso temos de ter informação em tempo real, das sondas que medem a humidade do solo a diferentes profundidades e também sobre as necessidades hídricas da cultura “para sabermos não só quando regar mas também em que quantidade”.
“Para fazermos as estimativas das necessidades hídricas da cultura precisamos dos dados climáticos da zona – temperatura, humidade relativa, velocidade do vento, radiação, etc. – para percebermos qual vai ser a evapotranspiração potencial e da cultura” e assim, “com base nas previsões meteorológicas estimamos quando a nossa cultura vai precisar de água” e é feito um calendário de rega disponibilizado ao produtor, com os dias e quantidades de água a aplicar em cada parcela/zona, também tendo em conta os graus dia (horas do dia em que a temperatura está boa para o desenvolvimento da planta), porque todos os anos são diferentes.
Ricardo Braga, do ISA
Quanto à eficiência energética, Marta Delgado referiu que “a maior parte dos produtores tem a possibilidade de regar em diferentes períodos de taxação, assim o calendário de rega preenche primeiro as horas em que é mais barato, se estas não forem suficientes passa para o escalão seguinte e assim sucessivamente”.
Na aplicação da empresa (no computador ou smartphone) é também possível monitorizar remotamente os dados das sondas e outros (índice NDVI, MSI – conforto hídrico, etc.), para perceber onde estão os pontos críticos, e depois então ir apenas a esses pontos para avaliar qual a causa – alagamento, doença, etc..
Uma última questão levantada pela consultora, é o número cada vez maior de dados que se geram e que é preciso analisar, mas “para facilitar o trabalho do produtor damos a possibilidade de olhar para toda a exploração de uma forma ‘macro’ com a plataforma web QGIS [Quantum GIS], ou se puder ter numa só página os gráficos de todas as sondas, para num olhar se perceber rapidamente se há alguma zona que precisa de atenção especial”.
Marta Delgado conclui afirmando que “o projeto conseguiu um aumento da produtividade e da resiliência do sistema agroalimentar, bem como da eficiência da utilização dos recursos e uma redução do impacte ambiental”.
Agricultura 3.0
“Este projeto ambicionava criar um verdadeiro novo projeto smart, ou seja pormos em prática o que lemos e vemos em muitos filmes na Internet, criando aqui uma exploração-piloto onde tudo isso funcionasse mesmo na prática”, afirmou Ricardo Braga, do ISA, que conduziu esta parte do projeto com a ajuda do bolseiro Manuel Penteado. O professor voltou a referir, como faz sempre que fala de agricultura de precisão, que “a base de tudo isto não é a tecnologia pela tecnologia mas é a recolha, compilação, tratamento e a transformação de dados em conhecimento”.
Os objetivos definidos passavam por aumentar a rentabilidade da atividade agrícola, desenvolver uma metodologia economicamente viável (embora, este orador tenha salientado que o investimento não é significativo, tal como outros já anteriormente tinham referido) e alargar o novo processo a outras parcelas e a outras explorações. “Queremos assim que a Quinta da Cholda, a partir de agora, possa ser vista como quinta-modelo, possa ser visitada e utilizada para divulgar estes processos junto de outros agricultores e regiões”.
Ricardo Braga defendeu que “com este projeto introduziu-se um novo fator de produção – o conhecimento”, frisando que “o que faz falta para aumentar a competitividade e sustentabilidade é a transferência eficaz de conhecimento e uso desse conhecimento na tomada de decisão”. O professor salientou ainda que “não estamos a pedir nada de extraordinário aos agricultores” porque este projeto não está assim ‘tão à frente’ em termos de agricultura de precisão (cuja caraterização da Associação Europeia de Maquinaria Agrícola – SEMA já vai até à agricultura 5.0), “situando-se na agricultura 3.0, que se centra na georreferenciação da informação, pelo que há ainda muito espaço para caminhar” e adiantou: “já ficaremos muito satisfeitos se no final do próximo quadro comunitário a maior parte das explorações conseguir estar ao nível da agricultura 3.0”.
Mais produtividade protegendo o ambiente
Apesar de João Coimbra ser já um agricultor inovador, no âmbito do projeto SmartCrop foi necessário implementar algumas técnicas de agricultura de precisão, como “a condução assistida e automática, o controlo automático da largura de trabalho em algumas máquinas, como o semeador, a telemetria e a gestão das operações, plataforma de gestão de dados e a criação de subunidades de gestão dentro da mesma parcela”. Ricardo Braga acrescentou que “testámos aqui diversas plataformas e a que acabámos por usar e recomendamos é o Quantum GIS, que já foi aqui falada, que é uma aplicação de sistema de informação geográfica open source, disponível para download gratuito na Internet, mas tivemos de usar softwares intermédios, quase como tradutores de dados entre fabricantes”.
Assim, o sistema agrega dados de todas as máquinas agrícolas, sensores, imagens de satélite, PDAs e Smartphones do produtor, do gestor agrícola e dos colaboradores que vão inserindo informações, tudo isto passa a estar disponível neste cérebro das operações da exploração agrícola. Tudo isto é conhecimento e são decisões em potência”.
O investigador do ISA mostrou depois diversos exemplos de dados aplicados a várias parcelas da exploração, para se perceber que esta informação permite um conhecimento profundo de todos os elementos que influenciam o desenvolvimento da cultura.
Analisando todos os dados, de vários anos, “conseguimos identificar onde produzimos bem e somos competitivos, podendo assim deixar as outras áreas para a promoção da biodiversidade”, além de se ter agora bem definidas as subzonas de gestão, com itinerários específicos, ou seja “a criação de sub-parcelas com base na performance agrícola do sistema é um grande passo para a otimização, a partir das quais fizemos experimentação específica parcela a parcela para cada um dos principais fatores de produção: densidade de plantas, taxa de fertilizantes e rega”, salienta Ricardo Braga, concluindo que os resultados são positivos, porque “há uma tendência contínua positiva de aumento da produtividade, mas estes sistemas demoram tempo a produzir resultados porque há um período de recolha e processamento de dados e depois levar à prática”.
Gestão da biodiversidade em rede é fundamental
Por último, Mário Antunes, da Agrotejo, salientou a importância de “alargar este exemplo com mais parceiros e, principalmente, com mais área”, adiantando que “este é um exemplo de que é possível incluir vários parceiros, muitas vezes até com interesses diferentes, numa rede, num projeto e assim ficamos todos a ganhar”.
O responsável defendeu que para que a ligação entre as várias pessoas do projeto seja forte “tem de ser continuada, até porque também já percebemos que há aqui um conjunto de resultados que só aparecem anos depois” e frisou que é importante não esquecer que “as pessoas fazem parte da biodiversidade, que é muito importante preservar a fauna e a flora mas as pessoas têm de ser a base destes projetos porque sem haver fixação de pessoas, criação de emprego e de riqueza, muitas vezes é difícil fazer tudo o resto”.
Falando especificamente sobre a região agrícola do norte do Vale do Tejo, Mário Antunes salienta que apesar de ser uma área onde há 20.000 hectares de regadio de agricultura intensiva, a biodiversidade, principalmente ao nível das aves, tem uma presença muito marcante. Salientou ainda que “a maioria dos agricultores olha para a região e não só para a sua exploração e tende a partilhar o conhecimento” e tem já preocupações ambientais, referindo que “a maior parte do campo da Golegã tem medidas agroambientais”.
PAC com áreas ecológicas coletivas
Mário Antunes lembra ainda que “estamos aqui ao lado do Paúl do Boquilobo, que é a única reserva da biosfera nacional, uma chancela da UNESCO, e os agricultores estiveram sempre no processo de adaptação que foi necessário fazer entre 2014 e 2016” e estão também no processo de gestão, “porque criámos um modelo de gestão participativa”. Este sistema foi considerado por aquela organização como “inovador a nível internacional, o que nos deixa muito orgulhosos porque é um trabalho conjunto de todos os agentes da região: dos agricultores, das autarquias e outras entidades públicas e privadas, num total de mais de 50, que numa estratégia em rede conseguiram levar avante este projeto”.
O responsável da Agrotejo defendeu que “a nova PAC deve considerar superfícies de interesse ecológico coletivas e ter medidas agroambientais mais flexíveis, além de valorizar as organizações de produtores e a promoção de modelos integrados que criem valor, emprego e fixem pessoas”.
Por último, salientou que “consideramos que a Quinta da Cholda já é um observatório da agricultura e da biodiversidade e o desafio que deixamos é que no próximo ano, com projetos ou sem projetos, se promovam mais destes Dias de Campo”.
Tudo interligado e a funcionar no campo
Depois das apresentações os participantes dirigiram-se ao campo, já divididos em cinco grupos que rodaram pelas cinco estações: Áreas de Foco Ecológico (AFE), Solo, Rega, Agricultura de Precisão e Indicadores.
Em cada estação um dos responsáveis por essa área do projeto explicava o funcionamento ou as características dessa parte.
Com este projeto, introduziu-se um novo fator de produção – o conhecimento. O que faz falta para aumentar a competitividade e a sustentabilidade é a transferência de eficaz de conhecimento e uso desse conhecimento na tomada de decisão”, Ricardo Braga, ISA
O grupo da VIDA RURAL começou pelas AFE, onde Ana Monteiro referiu que entre as várias plantas colocadas nas diversas zonas “as autóctones são as que se estão a comportar melhor”, adiantando que “temos uma boa base de dados para replantar porque já sabemos o que se dá melhor”.
Na estação de solo, situada na zona de sementeira direta (não mobilizada há 20 anos), o investigador espanhol Óscar Gonzalez Pelayo, numa análise rápida e pouco sofisticada disse como se pode caraterizar um solo: “observando visualmente vemos que é muito homogéneo, já que só a camada superficial é ligeiramente diferente”, mesmo assim, há algumas diferenças uma vez que “a segunda camada tem mais raízes, logo mais ar, que as plantas precisam para não asfixiarem, mais em baixo é um solo mais húmido e argiloso, com menos ar”.
Para estimar qual a percentagem de argila, o investigador pegou num pedaço de solo desta terceira camada e fez com as mãos um rolinho (como se fosse plasticina) e “como conseguimos fazer este rolinho com cerca de 3mm sem se partir, indica que este solo tem cerca de 40% de argila”. Ainda mais abaixo, conseguiu fazer um rolinho com cerca de 1mm sem partir, “pelo que a argila deve rondar os 60%”.
Outro teste rápido, serve para analisar a percentagem de matéria-orgânica no solo usando ácido clorídrico (HCI) que, tal como a água oxigenada, ‘ferve’ em contacto com matéria orgânica.
Óscar Gonzalez afirmou que “num solo agrícola o mais comum é a matéria orgânica rondar os 5%, se chegar aos 7% é uma festa”. Assim, com solos alcalinos ou neutros (com ph abaixo de 6,5) o HCI não borbulha e consoante as bolhas forem menores ou maiores mais ácido será o solo. “As plantas gostam de solos médios, com ph entre os 5,5 e os 6,5”, referiu.
Mário Antunes, da Agrotejo
Na estação sobre a rega, a equipa da Hidrosoph explicava que na app de smartphone, que se pode descarregar gratuitamente, o agricultor pode ver previsões meteorológicas atualizadas de seis em seis horas e os dados das sondas de humidade, que medem a humidade no solo de 10 em 10cm, podendo dar também indicação da salinidade.
O sistema Irristrat, daquela empresa, tem sempre calendário de rega e pode integrar dados de sondas que o agricultor já tenha instaladas, bem como imagens de NDVI, entre outros equipamentos.
Recolher dados e definir itinerário de acordo com eles
Na estação da agricultura de precisão, os participantes puderam ver e experimentar tratores e outras máquinas com sistema de condução assistida e automática e controlo automático da largura de trabalho, mas a ‘estrela da companhia’ foi um drone de pulverização, com capacidade para se manter sempre a uma altura constante em relação à cultura.
Ricardo Braga salientou que “a condução assistida por GPS permite muitos ganhos, evitando a sobreposição, enquanto a condução automática diminui as horas de trabalho e permite trabalhar com visibilidade reduzida, por exemplo”.
Já na estação dos indicadores, Bruno Caldeira mostrou “a plataforma a funcionar em tempo real, integrando os dados das diversas fontes, que vêm do QGIS” e exemplificou como o smartphone é cada vez mais uma ferramenta de trabalho, ao criar uma nota no telemóvel com uma observação no campo, que aparece imediatamente no relatório dinâmico, que estávamos a ver no monitor, registando também a localização da nota.
“A gestão da informação vai passar muito por agrupar num só local dados de diversas fontes”, concluiu o consultor.