Os agricultores devem investir crescentemente em sistemas que permitam «lutar contra a irregularidade» climática, sobretudo ao nível da rega, alertou o professor catedrático António José Monteiro, referindo que o país irá «sofrer muito» se o inverno for seco.
Em declarações à Lusa, o engenheiro e professor do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa sublinhou que a irregularidade do clima dificulta em muito a gestão agrícola, porque a produção está preparada para uma determinada variação – ter chuva ou calor em certos períodos – e «quando tudo se inverte as plantas reagem muito mal».
Este ano, exemplificou, houve «reações na vinha e nos pomares».
A «situação de seca global» no território português afeta todas as culturas típicas do verão.
As culturas que consomem mais água, como a horticultura, vão ser «penalizadas» por terem um custo acrescido se a precipitação não for suficiente neste inverno, embora a previsão das alterações climáticas ainda não aponte rigorosamente se vai haver menos ou mais chuva, mencionou o professor catedrático.
O que parece certo, no seu entender, é que «a irregularidade do clima aumenta, isto é, os fenómenos excecionais aumentam». É exemplo desses fenómenos o facto de o mês de outubro passado ter sido o mais quente dos últimos 87 anos.
«Se tivermos um inverno muito seco, vamos todos sofrer muito, porque vai ser o segundo, a seguir ao inverno passado», recordou.
Num clima como o de Portugal, mediterrânico — em que chove quando está frio e não quando está quente, o que «é mau para as plantas» -, é necessário acumular água no inverno, nas albufeiras, nos sistemas de regadio ou nos solos (águas subterrâneas que se utilizam nos poços).
«Nós cada vez temos de investir mais em sistemas que nos permitam lutar contra a irregularidade, nomeadamente os sistemas de rega. Aqui há 20, 30 anos faziam-se muitas culturas a que chamamos de sequeiro – não se regava, confiava-se que vinha chuva. Como o clima está muito mais irregular, um agricultor não pode confiar só na chuva, tem de ter ferramentas – um sistema de rega, outros sistemas de intervenção – para poder acorrer à cultura quando o clima não está de acordo», afirmou António José Monteiro.
O especialista reconhece que estas medidas requerem um grande investimento, mas lembra que a agricultura é hoje uma atividade que movimenta milhões e com vários apoios, além de ser cada vez mais rigorosa, com um crescente domínio da gestão da água.
«Enquanto não tiver vindo a precipitação normal do outono e do inverno, há razão para estarmos preocupados», afirmou.
Ainda assim, quer-se «muita chuva, mas devagarinho, para a água ter tempo de se infiltrar no solo» – se a precipitação for muito intensa começa a haver escorrência «e este ano, com os incêndios, isso era dramático».
Nas zonas que registaram fogos florestais há cinzas que poderão ir para os rios e albufeiras.
«Como ainda não choveu, não há vegetação herbácea que proteja as cinzas. Se chover intensamente, vai ser uma lavagem terrível», perspetivou.